24 de maio de 2023

O lugar das Sagradas Escrituras na Doutrina da Igreja, segundo o Catecismo


Com efeito, por muito diferentes que sejam os livros que a compõem, a Escritura é una, em razão da unidade do desígnio de Deus, de que Jesus Cristo é o centro e o coração, aberto desde a sua Páscoa.

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Como comentamos nas matérias anteriores, o Catecismo, entre os parágrafos 81 a 83, já começa a explicar a relação entre a Sagrada Tradição e as Sagradas Escrituras. Porém, a importância dada à Palavra de Deus é tão notória, que o Catecismo, em seus parágrafos 101 e 102, continua evidenciando o valor dos textos bíblicos.

Leia: "Na condescendência de sua bondade Deus, para se revelar aos homens, fala-lhes em palavras humanas: 'As palavras de Deus, com efeito, expressas por línguas humanas, tornaram-se semelhantes à linguagem humana, tal como outrora o Verbo do eterno Pai se assemelhou aos homens assumindo a carne da fraqueza humana, se fez semelhante aos homens. Por meio de todas as palavras das Sagradas Escrituras, Deus pronuncia uma só Palavra, seu verbo único, no qual se expressa por inteiro".

Essas convicções expressas pelo documento, fazem lembrar um belo princípio que alguns atribuem a São Francisco de Assis: "Às vezes é difícil para um pobre vir até nós. Então precisamos ir ao encontro do pobre". Deus, como um Pai atento e rico de glória e poder, vem ao nosso encontro e fala conosco, seus pobres filhos, numa linguagem simples e compreensível no âmbito da fé e da própria razão. 

As Escrituras Sagradas, como professa a fé da Igreja, tiveram como autor o próprio Deus. Sobre esse ponto, leia o que o Catecismo diz no parágrafo 104: "Na Sagrada Escritura, a Igreja encontra continuamente o seu alimento e a sua força, porque nela não recebe apenas uma palavra humana, mas o que ela é na realidade: a Palavra de Deus. 'Nos livros sagrados, com efeito, o Pai que está nos Céus vem amorosamente ao encontro dos seus filhos, a conversar com eles'".

Deus conversa, ou melhor, entra em relação com o homem, usando como instrumentos os componentes próprios da condição humana, tais como sensibilidade, afeto e, principalmente, a razão. A faculdade da razão é essencial para se ter fé, pois a razão é a instância relacional que induz o homem a se questionar sobre a essência e sentido último de tudo o que existe. Foi apoiado nessa convicção que o Papa João Paulo II fez essa belíssima declaração: "A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio" (Fides et Ratio, 1998). 

 A graça de Deus, por meio da fé, ilumina a razão e as duas juntas contribuem para esse mergulho relacional do homem em Deus, por meio das Escrituras Sagradas. 

O Espírito Santo, grande intérprete dos textos bíblicos

Outra verdade que o Catecismo evidencia de forma bela é que a interpretação correta e profunda da Palavra de Deus só pode ser feita por meio do mesmo Espírito que a inspirou: "Nas Sagradas Escrituras, Deus fala aos homens à maneira dos homens. Para interpretar a Escritura é preciso, portanto, estar atento àquilo que os autores humanos quiseram realmente afirmar e àquilo que Deus quis manifestar-nos pelas palavras deles" (CIC 109).   

Para mergulhar nos ensinamentos bíblicos, então, faz-se necessário levar em conta os fatores históricos, religiosos e culturais nos quais seus autores viveram. Não espere que um autor bíblico fale sobre celular, televisão, rádio, aviões, fogão a gás etc.. Eles não dispunham desses recursos modernos, logo, Deus não falaria com eles usando isso como tema de exortação e consolação. No entanto, eram tão essenciais e antropológicos os conflitos e dúvidas que eles traziam, que as respostas que encontraram na relação com Deus podem iluminar os homens de todos os tempos e lugares. A Palavra, dessa forma, se faz viva e mais que atual.

Depois, atento aos constantes perigos de equívocos e mau uso dos textos bíblicos, o Concílio Vaticano II indicou três critérios para uma interpretação correta dos mesmos, como vemos nos parágrafos 112 a 114 do Catecismo:

Parágrafo 112: "Prestar muita atenção ao conteúdo e à unidade da Escritura inteira"; 

Parágrafo 113: "Ler a Escritura dentro da Tradição viva da Igreja inteira, os ensinamentos dos grandes nomes da Patrística etc.";  

Parágrafo 117: "Estar atento ao sentido espiritual, literal, alegórico, moral e analógico da fé. Por 'analogia da fé' entendemos a coesão das verdades da fé entre si e no projeto total da Revelação".

Além dessas orientações doutrinais para a interpretação dos textos bíblicos, o Catecismo também chama a atenção para um olhar particular que se deve ter para o Antigo e o Novo Testamentos, de modo que a experiência com Cristo e sua Boa Nova seja a "lente de contato" para a leitura frutuosa dos textos da antiga Aliança:  "Os cristãos leem, pois, o Antigo Testamento à luz de Cristo morto e ressuscitado. Esta leitura tipológica manifesta o conteúdo inesgotável do Antigo Testamento. Mas não deve fazer-nos esquecer de que ele mantém o seu valor próprio de Revelação, reafirmado pelo próprio Jesus, nosso Senhor. Aliás, também o Novo Testamento requer ser lido à luz do Antigo. A catequese cristã primitiva recorreu constantemente a este método. Segundo um velho adágio, o Novo Testamento está oculto no Antigo, enquanto o Antigo é desvendado no Novo" (CIC 129).

Tamanha é a importância da Palavra de Deus na vida da Igreja, que o Catecismo termina esse capítulo dizendo: "É tão grande a força e a virtude da Palavra de Deus, que ela se torna para a Igreja apoio e vigor e, para os filhos da Igreja, solidez da fé, alimento da alma, fonte pura e perene de vida espiritual. É necessário que 'os fiéis tenham largo acesso à Sagrada Escritura'".  

Que o nosso estudo das Sagradas Escrituras seja, portanto, como a alma da Sagrada Teologia e do anúncio de Jesus. 

 



Fonte: https://comshalom.org/o-lugar-das-sagradas-escrituras-na-doutrina-da-igreja-segundo-o-catecismo/

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