19 de março de 2025

Autodomínio dos afetos

Acolher, compreender e integrar: o caminho para a felicidade emocional

Nem suprimir, nem se deixar dominar por nossos afetos, é uma arte necessária que exige equilíbrio emocional com raízes fincadas no autoconhecimento. Muitas vezes, somos tentados a viver dois extremos: ou nos afundamos na tempestade das nossas emoções ou construímos muralhas, no sentido de proteger os nossos afetos com uma postura de indiferença para não sentir nada. O problema é que nem um extremo nem outro pode nos fazer felizes, porque nos aprisiona, e a felicidade tem alicerce na liberdade vivida com responsabilidade e ordenada para o amor que se traduz em uma vivência equilibrada entre o sentir e o orientar nossos sentimentos para o bem, tanto o nosso bem, como e o bem do próximo.

Crédito: PeopleImages/GettyImages

Mas será que existe um caminho seguro que nos leve até lá? A resposta é sim, e a via de condução não está na fuga nem no excesso, mas no aprendizado de acolher os afetos, compreendê-los e integrá-los à nossa vida real no dia a dia. É verdade que não temos controle sobre muitas coisas que nos acontecem, inclusive a manifestação das nossas emoções, mas a forma como escolhemos lidar com elas pode piorar ou melhorar a situação. E, às vezes, o que mais precisamos fazer é "trocar a lente" através da qual estamos vendo as situações para melhor lidarmos com nossas emoções.

Entre a razão e a emoção, o caminho do autoconhecimento

Nesse sentido, o autoconhecimento é vital, pois somente quando conhecemos a raiz das nossas ações, o que nos leva a dar essa ou aquela resposta, é que podemos agir com a estratégia certa de maneira que nossos afetos não nos matem, mas também não morram, mas nos ajudem a cumprir nossa missão no lugar onde Deus nos permite estar com tudo o que somos.

Entre ser refém dos afetos e ignorá-los completamente existe um caminho de liberdade, onde precisamos escolher entre o bem e o mal o tempo todo. Seja nas situações corriqueiras, seja nas mais complexas que podem mudar completamente o rumo da nossa vida. Às vezes, nossos afetos parecem um mar agitado. Sentimos tudo ao mesmo tempo e, se não soubermos nadar contra a correnteza das paixões, podemos nos afogar nelas e tomarmos decisões contrárias aos nossos propósitos e nos arrependermos amargamente depois. Outras vezes, são como um inverno rigoroso, e agimos com indiferença diante dos acontecimentos como se nossos sentimentos estivessem congelados, e nada mais nos abala. Porém, no fundo da alma, sabemos que algo não está acontecendo do jeito que deveria, e isso rouba a nossa paz.

Além do sentir, o caminho para lidar com os afetos

Ou seja, a grande questão está em aprendermos a lidar com nossos afetos, porque o problema não é sentir, mas não saber o que fazer com o que sentimos. E quando não sabemos lidar com uma situação ligada às emoções, a tendência mais lógica é fugirmos dela, embora saibamos que isso pode até aliviar a crise, mas dificilmente resolverá o problema.


Portanto, se seus afetos estão oscilando entre o "mar agitado das emoções e o gelo do inverno", proponha a eles passar pelo desprendimento do outono para chegar à ordem e ao florescimento da primavera. E lembre-se de que isso leva um tempo, a vida saudável e real que você deseja é construída dia após dia entre um acontecimento e outro, e os afetos naturalmente fazem parte desse processo, e educá-los não significa reprimi-los, mas integrá-los à realidade de forma harmônica. "Seja a favor de si mesmo", como ensina São Bernado de Claraval e apresente seus afetos a Deus através da oração, para que Ele lhe ensine a viver em posse da liberdade que Jesus Cristo conquistou para você na cruz, e assim possa lidar com seus afetos sem medo de senti-los, e sem se deixar arrastar por eles.

Dijanira Silva
Missionária Núcleo da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/autodominio-dos-afetos/

18 de março de 2025

Reparar a criação

A fé em ação, reparando a casa comum

Reparar a Criação é núcleo vigoroso da fé cristã. Os relógios verdadeiros e completos remetem a Cristo, Salvador e Redentor, pela força e méritos de sua paixão, morte e ressurreição. Sem Ele o caminho fica pela metade, o vigor físico e o espiritual colapsam, e não se dá conta da tarefa nobilíssima dada ao ser humano: cuidar da regência no conjunto da Criação, que remete ao próprio Criador. Cuidar da harmonia do planeta é, pois, ação de fé, dedicada a restaurar a Casa Comum depredada e tratada, mesquinhamente, pela ganância do extrativismo, emoldurado estranhamente por uma orgulhosa pretensão humana de querer se apoderar de tudo.

Crédito: oatawa/GettyImages

Reparar a Criação, sinal de conversão e de busca por mudanças, constituição urgência e oportunidade, para consolidar nova conduta humana em relação ao tratamento do meio ambiente . A adoção de novos hábitos capazes de superar a depredação do planeta pede revisão no estilo de vida contemporâneo, com incidências nos campos da política e da economia. Sem novos estilos de vida, a humanidade pode sucumbir às catástrofes climáticas e outras ameaças provocadas pelo desequilíbrio ecológico.

A luz da fé na Quaresma, rumo a um novo estilo de vida

A racionalidade contemporânea não está conseguindo construir entendimentos sociopolíticos capazes de reverter a rotação do planeta. A esperança vem da fé, com a sua luminosidade, que pode concordar com a visão equivocada de que o ser humano é dono do mundo e de tudo o que existe, com direito de decidir, friamente, apenas por cálculos, modos de explorar os bens da Criação.

Uma frieza que leva a cenários de injustiças e perversidades, acentuando desigualdades sociais para consolidar privilégios, muitas vezes por meio de manipulações ganâncias. Compreende-se que o apelo quaresmal da conversão – mudança de rumo na própria conduta – depende da luz que vem da fé. E a conversão contempla uma autoavaliação adequada sobre o modo de se viver na casa comum. Enriquece, pois, o caminho quaresmal buscar tratar uma das mais graves feridas no conjunto da vida contemporânea: revisar estilos de vida para reparar a Criação .

Fé e ecologia integral, um caminho quaresmal para a criação

Pode-se corrigir os descompassos no tratamento dedicado à casa comum tomando consciência da centralidade de Deus-Criador e do lugar a ser ocupado pelo ser humano – criatura escolhida pelo Pai para cuidar da gestão de tudo que integra a Criação. A partir dessa consciência, abre-se um horizonte humanístico que ilumina escolhas, sem permitir irracionalidades, a exemplo da busca gananciosa pelo lucro, mesmo a partir do sacrifício do semelhante.

Quando se confirma a centralidade do Deus-Criador e o papel do ser humano na regência da criação prioriza-se a solidariedade dedicada aos pobres e indefesos.
Recompõe-se o sentido de fraternidade pelo caminho da ecologia integral. Quando o conceito de ecologia integral é compreendido e passa a inspirar as atitudes do ser humano, cria-se caminho para a reconciliação solidária, debela-se o desejo velado e pretensioso de possuir, egoisticamente, os bens da Criação. Ao contrário do que alguns podem até pensar, há profunda relação entre o caminho quaresmal e as dinâmicas propostas pelo conceito de ecologia integral.

Restaurando a criação

A vivência da ecologia integral tem potencial incalculável para conversão, com mudanças profundas na vida pessoal e comunitária. Ao pensar em ecologia integral, observe que o conjunto de relações que pode promover ou ameaçar a vida está interligado com tudo o que existe na natureza. Por isso, não há outro caminho para reparar a Criação senão pela via do relacionamento avançado e sadio, com o desenvolvimento de uma sensibilidade ancorada em Deus – Senhor da história.


Quando se cultiva a sensibilidade relacional tendo Deus, Senhor da história, como fundamento, desenvolve-se uma habilidade para aprimorar lidar com o semelhante, reconhecendo a sua sacralidade. Agir nos parâmetros da ecologia integral fortalece a capacidade para se estabelecer limites, na contramão de autoritarismos, da promoção de esgotamentos homicidas dos recursos humanos e naturais.

Laudato Si: Reciprocidade e responsabilidade 

A destruição do planeta, por sua manipulação e exploração gananciosa é, em si, declarada de morte a quem recebeu a honrosa tarefa de reger os dons da Criação. Vale ter presente uma advertência simples e, ao mesmo tempo, forte, do Papa Francisco, na Carta Encíclica Laudato Sì, quando afirma sobre o sentido inegociável de uma relação de reciprocidade entre o ser humano e a natureza. Papa Francisco sublinha que cada comunidade pode tomar posse da Terra aquilo que necessita para a sua sobrevivência, sem ignorar o dever de proteger e garantir a continuidade da sua fertilidade para as gerações futuras.

Inscreva-se aqui a necessidade de senso de legislações que não podem se submeter à lógica cega do lucro e deixar, por exemplo, que os nascentes sejam eliminados em nome de uma exploração minerária predatória. Os graves danos ambientais com as suas pesadas consequências expõem a responsabilidade do ser humano de se adotar um novo modo de viver no planeta, conquistado por meio de conversão ecológica. Trata-se do caminho para o desenvolvimento sustentável que é o único modo de debelar o acentuado processo de gestão ambiental da atualidade.

As estatísticas são pavorosas, as catástrofes climáticas batem, de repente, em qualquer porta, como um grito do planeta que pede socorro e convida todos a se dedicarem aos processos de seus componentes. Reparar a Criação é ato de amor que pede o sacrifício de si mesmo, com força de redenção. Uma tarefa nobre a ser assumida pela humanidade, que tem a obrigação de exercer a regência de tudo o que existe e, por isso mesmo, o dever de reparar a Criação.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/meio-ambiente/reparar-a-criacao/

17 de março de 2025

Ouvir ou escutar? Eis a questão!

A arte de escutar, um caminho para a saúde auditiva e espiritual

Parafraseando Hamlet, personagem da peça homônima de William Shakespeare, todavia fundamentada numa visão formativa e sem perder o viés da reflexão, levanto o questionamento sobre qual é a ação mais salutar, essencial ou producente para a saúde auditiva do ser humano: ouvir ou escutar? Será que há diferenças, contraposição, contiguidade, consonância? A resposta a tal pergunta é uma informação que precisa ser propagada e uma reflexão realizada de forma pessoal e periódica. 0 3 de março é o Dia Mundial da Audição, quando, todos os anos, a Organização Mundial da Saúde (OMS) promove uma nova temática com o objetivo de conscientizar e sensibilizar a sociedade acerca da surdez, promovendo ações e iniciativas de prevenção e cuidados contra a deficiência auditiva.

Crédito: Prostock-Studio/ Getty Imagens

E quanto à surdez espiritual? O que podemos fazer para prevenir nossa alma e o nosso ser dessa doença fatal? O ouvido é um sistema ósseo composto por canais por onde passam líquidos que estimulam as células sensoriais do equilíbrio e da audição. O aparelho auditivo do homem é, ao mesmo tempo, um sistema complexo, mecânico, acústico e reflexivo. Qualquer alteração nesse processo pode dificultar a audição ou provocar problemas auditivos e de estabilidade.

O poder da escuta: compreensão, atenção e alteridade

Ouvir ou escutar? Eis a questão! Ouvir provêm do latim audire, que significa perceber o som, é um processo mecânico, ou seja, é a capacidade do ouvido para captar os sons externos como fala, ruídos, melodias, sons contínuos, intermitentes, de alta ou baixa frequência e/ou intensidade. Somente ouvir algo não significa que a informação foi entendida. Para ouvir, é imprescindível que o ouvido esteja saudável, que ele seja capaz de captar as ondas sonoras espalhadas pelos ares, por meio das orelhas externas que funcionam como perfeitos amplificadores sonoros; transmitir este som por meio do ouvido médio, um verdadeiro canal por onde o som vai sendo purificado até chegar ao ouvido interno, no cérebro, onde é processado e compreendido.

Nessa fase, não é mais apenas ouvir, é uma ação mais profunda e complexa, é escutar. Portanto, o verbo escutar, também proveniente do latim auscutare, é o ato de dar atenção e compreender o som que é ouvido. Escutar é uma habilidade que se desenvolve à medida do crescimento e amadurecimento da pessoa, também é um processo consciente e livre da vontade humana para compreender o que é ouvido. É ainda uma atitude de alteridade, onde há respeito, consideração e abertura ao
diálogo com o outro.

Escutar é mais do que dar atenção ao som, é ouvir com o coração. Contudo, tanto para ouvir quanto para escutar, a pessoa precisa ter seu aparelho auditivo íntegro, em perfeitas condições de funcionamento, portanto, deve adotar medidas preventivas e protetivas para com o seu ouvido e cérebro. Uma perda auditiva de menor ou maior intensidade pode causar problemas e dificuldades significativas na vida diária da pessoa, influenciando essencialmente na comunicação, podendo tornar
seus relacionamentos e seu viver mais difíceis.

Seu mundo sem som?

As causas mais frequentes de perdas auditivas são: o uso constante de cotonetes; a exposição a barulhos altos por longos períodos, como ferramentas elétricas; ouvir músicas em alto volume; o envelhecimento natural; barulhos súbitos e muito altos, como disparo de arma de fogo ou proximidade a explosão e infecções do ouvido, particularmente em crianças e jovens adultos. As causas menos comuns de perdas auditivas incluem as doenças autoimune (doenças que levam o sistema imunológico do corpo a atacar os próprios tecidos); doenças sistêmicas como diabetes mellitus e hipertensão arterial que podem alterar a vascularização dos ouvidos e provocar a deterioração do órgão; a genética, isto é, condições que causam surdez ou perdas auditivas herdadas do histórico familiar; defeitos congênitos, onde a pessoa nasce com alguma deformidade no ouvido; o uso de alguns medicamentos ototóxicos que lesam os ouvidos como efeitos colaterais; lesões nas orelhas e tumores dentro do ouvido ou em partes do cérebro e prematuridade infantil.

Sabemos que a perda auditiva pode não ser perceptível inicialmente, e mesmo que nem todos os danos auditivos possam ser evitados, existem algumas atitudes que podem reduzir o risco ou até impedir a perda auditiva relacionada à idade e/ou induzida.

Seguem algumas dicas importantes para serem adotadas e divulgadas.

  1. Realizar o teste da orelhinha, teste fundamental para a detecção precoce dos problemas auditivos na infância.
  2. Evitar barulhos altos por tempo prolongado.
  3. Usar dispositivos de proteção adequados. Em muitas situações, a exposição a ruídos altos é inevitável, como na rotina de profissionais que operam máquinas, atuam em fábricas ou trabalham com música e eventos. Nesse caso, é fundamental seguir as orientações de ergonomia previstas para cada área de atuação.
  4. Usar fones de ouvido com cuidado, o volume deve ser suficiente para ouvir de modo confortável. A OMS estima que mais de 1 bilhão de jovens correm o risco de desenvolver perda auditiva permanente na atualidade devido a essa e outras práticas inseguras.
  5. Manter as orelhas secas, o excesso de umidade nos ouvidos pode facilitar a entrada de bactérias e um possível ataque ao canal auditiva com proliferação bacteriana.
  6. Tratar as infecções adequadamente, seguindo sempre as orientações médicas. É importante ficar atento sempre que perceber sinais de gripes e resfriados fortes e dores no ouvido.
  7. Não introduzir objetos no canal auditivo. Ao colocar qualquer objeto dentro do ouvido, existe o risco de danificar partes sensíveis, como o tímpano e causar perda auditiva. Ter cera no ouvido é normal e importante para a saúde auditiva.
  8. Consultar o otorrinolaringologista sempre que necessário.

Escutar com o coração, a cura para a surdez existencial

Ouvir e escutar com os ouvidos é algo natural ao ser humano. Escutar com o coração também deveria ser, pois essa ação tem o poder não somente de transformar as ondas sonoras em som inteligível, como promove a escuta da própria voz, favorece a compreensão dos nossos semelhantes e nos torna assaz escutadores da voz do Sagrado que habita nosso interior. Quem não escuta com o coração, pode tornar-se um surdo existencial, já não se trata apenas de uma perda auditiva física, mas de uma surdez espiritual, talvez mais grave e nociva à realidade de filho de Deus. Muitas vezes, a causa dessa surdez é o pecado, mas podem ser também as dores, as feridas, os traumas ou os sofrimentos diversos, pois um coração machucado torna-se fechado e isolado, dificilmente se comunica, torna-se surdo, não ouve nada nem ninguém.


Jesus foi um homem que escutou com o coração. Certa vez, levaram um surdo-mudo para que Ele o curasse. Ao tocar-lhe, Jesus disse: "Effathá!", ou seja, "Abra-te". Imediatamente, os ouvidos do homem abriram-se, sua língua soltou-se e ele começou a falar corretamente (Mc 7,35). Antes de se encontrar com Jesus, aquele homem era um sofredor, estava fechado e isolado em um mundo de silêncio, para ele era difícil comunicar-se. Com fé, atitude e no encontro com Deus feito homem, ele foi curado, houve uma abertura partindo dos órgãos auditivos até o coração, o surdo-mudo se abriu para falar e relacionar-se. É isso que Jesus veio fazer. Ele quer nos libertar, nos tornar capazes de viver uma plena relação conosco, com o outro e com o Pai.

"Abre-te!" O chamado divino para uma escuta transformadora

Jesus quer nos ensinar a escutar a voz de Deus, a compreender a linguagem do Amor que fala ao nosso coração. Este ano, o tema proposto pela OMS para o Dia Mundial da Audição é "Mudando mentalidades: empodere-se para tornar o cuidado auditivo uma realidade para todos. É necessário reforçar a importância de atitudes práticas e conscientes para proteger nossa audição e apoiar os deficientes auditivos. E numa atitude de empoderar-se da filiação Divina, todo ser humano é convidado a escutar a voz do Divino Mestre que diz "Abre-te!". Essa é uma palavra dirigida por Deus a cada um de nós. É um convite a não nos fecharmos em nós mesmos, a sermos sensíveis aos problemas e dores dos outros.

Ele pede abertura não só dos ouvidos, mas da vida inteira, é um chamado a escutar e deixar Deus entrar em nosso interior, curar nossas feridas e nos libertar de toda surdez espiritual, pois o pior surdo é aquele que não quer ouvir. Ouvir com os ouvidos e escutar com o coração, eis a nossa meta, eis a nossa missão.

Jací Fagundes
Escritora, Mentora do Simplesmente Mulher, Missionária, Terapeuta, Fonoaudióloga e Filósofa.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/saude-atualidade/ouvir-ou-escutar-eis-questao/

14 de março de 2025

Da Aldeia da Cova da Iria para o mundo, a serva de Deus Irmã Lúcia de Jesus

Uma camponesa escolhida por Deus

Seu nome de batismo é Lúcia de Jesus Rosa dos Santos, a mais nova dos sete irmãos, filha de gente simples, seu pai Antônio dos Santos e sua mãe Maria Rosa Ferreira. Uma camponesa que não sabia ler nem escrever. Ela não esperava que, juntamente com os primos, os irmãos Francisco e Jacinta Marto, encontrariam graça diante de Deus, e que lhes seriam revelados os mistérios do Reino dos Céus através das aparições: as do Anjo da Guarda de Portugal, em 1916, e de Nossa Senhora em 1917.

Créditos: Domínio Público

Os três pastorinhos videntes de Fátima

Em cada tempo, Deus tem a pedagogia adequada para atuar no mundo, que passa por pessoas e lugares. E foram as crianças, conhecidas como os três pastorinhos, que Ele quis contar e os fez videntes das Aparições de Fátima. Lúcia, com apenas 10 anos de idade, foi a que via, ouvia e falava com Nossa Senhora, sinais importantes que ajudariam na divulgação da mensagem que recebiam do céu.

Iluminados pelas sagradas escrituras, compreendemos que a lógica da manifestação de Deus é oposta à do mundo: "… o que para o mundo é loucura, Deus o escolheu para envergonhar os sábios, e o que para o mundo é fraqueza, Deus o escolheu para envergonhar o que é forte" (I Cor 1,27).

A missão revelada a Lúcia

Na aparição de 13 de junho, Nossa Senhora pediu para aprenderem a ler e escrever, revelou que Jacinta e Francisco iriam em breve para o céu, e a missão que Deus tinha para Lúcia: "A Jacinta e o Francisco levo-os em breve. Mas tu ficas cá mais algum tempo. Jesus quer servir-Se de ti para me fazer conhecer e amar. Ele quer estabelecer no mundo a devoção ao meu Imaculado Coração". Lúcia pergunta se ficará sozinha e a querida Mãe do céu responde: "Não desanimes. Eu nunca te deixarei. O meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus".

Fátima, lugar de fé e conversão

Como em Nazaré, um lugar pequeno, inóspito, desconhecido, terra de agricultores, Deus fez da Cova da Iria a mensagem de Fátima ecoar nos corações de milhares de pessoas e se alastrando pelo mundo, tornando Fátima lugar de forte apelo e grande manifestação de fé, conversão, sacrifícios e orações.

A fidelidade de Lúcia após a morte dos primos

Após a morte dos primos pela gripe espanhola, Francisco em abril de 1919, e Jacinta em fevereiro de 1920, coube a Lúcia permanecer fiel a Deus diante do legado dado por Ele através das Aparições. Os sofrimentos não eram poucos: a morte dos primos, a multidão que a procurava, a liberdade restrita, a incompreensão da mãe que não acreditava, as visitas dos enviados pela Igreja para a interrogar. Para poupá-la do assédio das pessoas, o Bispo de Leiria, D. José Alves Correia da Silva, a orienta a partir para a cidade do Porto para estudar.

A sétima aparição, o consolo de Nossa Senhora

Para Lúcia, deixar a sua terra, a casa paterna, o lugar bendito das aparições, desencadeou no seu interior conflitos de sentimentos, e foi tentada a não partir. Nesse momento de conflito interior, Nossa Senhora cumpre a promessa feita a 13 de Maio de 1917: "…voltarei ainda aqui uma sétima vez."


No seu diário de Carmelita, Lúcia registrou esse acontecimento, que só foi revelado após a sua morte: Estava nesta luta, quando foi à Cova da Iria: Assim solícita, mais uma vez desceste à terra, e foi então que senti a Tua mão amiga e maternal tocar-me no ombro; levantei o olhar e vi-Te, eras Tu, a Mãe bendita a dar-me a mão e a indicar-me o caminho; os Teus lábios descerraram-se e o doce timbre da tua voz restituiu a luz e a paz à minha alma: "Aqui estou pela sétima vez, vai, segue o caminho por onde o Senhor Bispo te quiser levar, essa é a vontade de Deus."

Repeti então o meu "sim", agora bem mais consciente do que o do dia 13 de maio de 1917, e enquanto que, de novo, Te elevavas ao Céu, como num relance, passou-me pelo espírito toda a série de maravilhas que naquele mesmo lugar, havia apenas quatro anos, ali me tinha sido dado contemplar.

A vida religiosa e as memórias de Fátima

Lúcia partiu para o Porto, onde estudou e sentiu o chamado à vida religiosa contemplativa carmelita. Porém, nesse período, houve a extinção das Ordens religiosas em Portugal, que a levou a entrar para as Irmãs Doroteias. Foi em Vilar, no Porto, que escreveu, a pedido do Bispo Dom José Alves, "As memórias da Irmã Lúcia I", onde relatava a vida dos primos e as suas virtudes heroicas, os santos Francisco e Jacinta. Irmã Lúcia escreveu também outros livros.

Aparições em Pontevedra e Tuy

Ela viveu em Tuy e Pontevedra, na Espanha, onde aconteceram algumas aparições: Em Pontevedra, a 10 de dezembro de 1925, Nossa Senhora pediu que "durante cinco meses, ao primeiro sábado, se confessarem, receberem a Sagrada Comunhão, rezarem o Terço e me fizerem 15 minutos de companhia, meditando nos 15 Mistérios do Rosário com fim de Me desagravar, Eu prometo assistir-lhes, na hora da morte, com todas as graças necessárias para a salvação dessas almas. Em Tuy, a 19 de junho de 1929, lhe apareceu a Santíssima Trindade e Nossa Senhora, trazendo a mensagem que Deus pedia para o Santo Padre fazer, em união com todos os Bispos do mundo, a consagração da Rússia ao Seu Imaculado Coração, prometendo salvá-la por este meio.

A vida no carmelo e a devoção ao Imaculado Coração de Maria

A 25 de março de 1948, Lúcia ingressou no Carmelo de Santa Teresa em Coimbra, Portugal, e, mesmo no claustro do Carmelo, viveu a Prática Reparadora dos Cinco Primeiros Sábados, conforme lhe pediu Nossa Senhora. Do silêncio do Carmelo, realizou a sua missão de levar a Devoção ao Imaculado Coração de Maria ao mundo. De vida simples, alegre e serviçal, viveu como todas as outras irmãs, porém única portadora da Mensagem recebida do céu. Conforme os escritos no seu diário espiritual, a Solicita Mãe Celeste nunca a deixou e continuou lhe aparecendo no Carmelo.

Guardiã da mensagem de Fátima

Foi guardiã da Mensagem de Fátima, uma profeta da graça e misericórdia que Deus quer derramar sobre o mundo. A sua vida foi sempre oferecida em união com Jesus Eucarístico e com o Coração Imaculado de Maria, pela Igreja e pela conversão dos  pecadores. Diante dos sofrimentos interiores que vivia, Ir. Lúcia permaneceu dócil e obediente à voz de Deus através da Igreja até os últimos momentos de sua vida no Carmelo de Santa Teresa em Coimbra, partindo para o céu a 13 de Fevereiro de 2005, aos 97 anos, após escutar a leitura do telegrama de São João Paulo II.

O caminho para a santidade

Pela vida virtuosa e exemplar, foi reconhecida Venerável, e para alcançar a honra dos altares e ser declarada santa, precisará de um milagre reconhecido e aprovado pela Igreja para ser Beatificada, como também outro milagre para a canonização.

Venerável Irmã Lúcia de Jesus, rogai por nós!

Nilza Pires 
Misssionária Núcleo da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/santos/da-aldeia-da-cova-da-iria-para-o-mundo-serva-de-deus-irma-lucia-de-jesus/

13 de março de 2025

Papa Francisco e sua visão Mariana da Igreja

Uma personalidade marcante e o amor a Nossa Senhora

Com grande alegria, apresento este testemunho em gratidão ao Papa Francisco, com quem tenho a honra de manter uma relação desde 2007. Tive a graça de trabalhar ao seu lado na Conferência de Aparecida, experiência que marcou profundamente minha vida, especialmente por sua humildade, profundidade de pensamento e espírito eclesial. Naquela época, jamais imaginei que um dia ele se tornaria Papa.

Créditos: Acervo Pessoal

Desde o início, sua personalidade e espírito religioso me impressionaram, assim como seu amor a Nossa Senhora. Em Aparecida, tivemos conversas significativas sobre a importância da presença de Maria no documento final da Conferência e como o exemplo e a intercessão de Maria deveriam marcar todas as dimensões da vida da Igreja, especialmente na vida do povo latino-americano, evangelizado pelas mãos de Nossa Senhora.

A história mariana do nosso continente é muito profunda. A evangelização se deu de forma mariana, guadalupana, e, na América do Sul, a presença de Maria acompanhava os evangelizadores, que traziam a cruz de Cristo junto a uma imagem de Nossa Senhora. O Papa Francisco é herdeiro dessa tradição.

"Ela é a Minha Mãe": Testemunhos da devoção mariana do Papa

Gostaria de compartilhar algumas histórias sobre a relação do Papa com Nossa Senhora. Tive a graça de entrevistá-lo sobre esse tema, o que resultou no livro "Ela é a Minha Mãe" (Encontros do Papa Francisco com Maria, Ed. Loyola e Santuario, 2014).

Como membro do Movimento de Schoenstatt, sempre senti a conexão que o Papa fazia entre mim e Nossa Senhora. Durante a Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro (2013), quando fui seu intérprete, ele me presenteou com objetos marianos. Percebendo que não tinha um presente para ele, lembrei-me de uma imagem da Mãe Peregrina que uma Irmã de Maria de Schoenstatt me dera para que o Papa a abençoasse.

Créditos: Acervo Pessoal

Ao olhar para a imagem, senti que era o presente perfeito. Ao entregá-la, ele a abraçou, beijou e pediu que eu a abençoasse, o que me surpreendeu. Então, ele disse: "Muitas vezes, dou de presente os presentes que recebo, mas esta ficará comigo". Desde então, a imagem o acompanha, estando ao lado de sua cama, em sua mesa de cabeceira.

Em 2014, ele compartilhou com a Família de Schoenstatt: "Faz um tempo, um Padre de Schoenstatt me presenteou uma imagem da Mãe. E a tenho na mesa ao lado da minha cama. E todas as manhãs, quando me levanto, a toco e rezo. É um segredo que queria lhes contar". Ele também enfatizou a importância de Maria como nossa mãe, deixando belas mensagens para a família de Schoenstatt: "Não temos o direito de ter uma mentalidade de órfãos. Ou seja, o cristão não tem o direito "de se sentir órfão". Tendes Mãe. Temos Mãe. (…) Ela é Mãe não só porque nos dá a vida, mas Ela também nos educa na fé. É muito diferente procurar e crescer na fé sem a ajuda de Maria. É outra coisa. É como crescer na fé sim, mas numa Igreja que é um orfanato. Uma Igreja sem Maria é um orfanato. Acima de tudo, Ela nos educa, ajuda-nos a crescer, acompanha-nos, toca as nossas consciências. Ela sabe como tocar as consciências para o arrependimento!"

Maria e a cultura do encontro e da aliança

O Papa Francisco destaca a importância de Maria como aquela que nos ajuda a viver a cultura do encontro e da aliança, que é o centro da espiritualidade de Schoenstatt. "Cultura do encontro é cultura da aliança. E isso gera solidariedade. (…) Significa criação de vínculos, não destruição de vínculos. E, hoje em dia, estamos vivendo nessa cultura, nessa cultura do provisório, que é uma cultura de destruição de vínculos. (…)" Então, cultura do encontro, que cria uma unidade que não é mentirosa, e é a unidade da santidade, entendem? Que leva à cultura do encontro.


Uma igreja mariana: firmeza, ternura e misericórdia

A visão do Papa sobre Nossa Senhora é de uma mãe sempre presente no meio do seu povo, discípula e missionária de Jesus. Para ele, ao falarmos de Maria, estamos também falando da Igreja.

Na Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, Francisco ensina que tudo o que dizemos de Maria deve ser aplicado à Igreja e a cada batizado, usando um texto de Isaac de Estela.

Uma Igreja que deve ser mãe como Maria, firme, forte e terna, capaz de viver a revolução da ternura. Uma Igreja missionária, de portas abertas, que acolhe, cuida e abraça a todos os necessitados, especialmente os que estão nas periferias da sociedade. Uma Igreja como um hospital de campanha, que oferece os primeiros socorros, acolhe e cuida.

O Papa Francisco deseja uma Igreja do cuidado maternal de Maria. Seus 12 anos de pontificado têm nos mostrado isso, com a declaração do Jubileu Extraordinário da Misericórdia e o espírito sinodal, buscando que "todos, todos, todos" sejam acolhidos no seio da Igreja, sentindo-se em casa, independentemente de sua história moral. A Igreja convida à plenitude das virtudes teologais e do Evangelho, onde a moral tem um valor fundamental, mas o ponto de partida é sempre a abertura, o acolhimento e a escuta.

O Papa espera que possamos fazer da Igreja uma Igreja maternal, com os traços de Maria, uma Igreja mariana.

Alexandre Awi Mello ISch

Atualmente, é o superior geral do Instituto Secular dos Padres de Schoenstatt. Mestre em Teologia na Escola Superior de Filosofia e Teologia de Vallendar, Alemanha. Doutor em Mariologia na Universidade de Dayton, USA.  Foi professor de Teologia Pastoral e de Teologia Sistemática no Instituto Paulo VI em Londrina (PR); na Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Londrina; na UNISAL, dos Salesianos; e na Faculdade de Filosofia e Teologia São Bento. Colaborou com o Cardeal Bergoglio durante a V Conferência Geral do Conselho Episcopal Latino-americano e do Caribe realizada em Aparecida e acompanhou o Pontífice por ocasião da XXVIII Jornada Mundial da Juventude, em 2013, no Rio de Janeiro. Foi conselheiro da Pontifícia Comissão para a América Latina.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/testemunhos/papa-francisco-e-sua-visao-mariana-da-igreja/

12 de março de 2025

Francisco, um Papa fora da curva

Papa Francisco,um líder fora da curva na construção de um sonho

Ao receber o convite da Canção Nova para escrever um texto formativo para a sua página oficial, senti-me honrada e, ao mesmo tempo, profundamente consciente da responsabilidade que isso implica. Este texto surge em um momento especial e delicado: o Papa Francisco está hospitalizado, e nossas orações se unem ao desejo de vê-lo recuperado, com saúde e força para continuar sua missão. Sua ausência temporária nos faz refletir sobre o quanto ele é essencial para a Igreja e para o mundo. Francisco não é apenas um líder espiritual; ele é um farol de esperança, um profeta da misericórdia e um construtor de pontes em um mundo marcado por divisões.

Créditos: Acervo Pessoal

Nessas linhas, gostaria de dialogar sobre alguns pontos fundamentais do seu papado, que têm transformado não apenas a Igreja, mas também a minha vida e a vida de tantas pessoas nesta Casa Comum. Sua visão de uma Igreja sinodal e em saída, sua defesa incansável da paz, sua preocupação com o meio ambiente, sua valorização das mulheres, sua forma única de comunicar e, acima de tudo, sua humanidade são pilares que sustentam um projeto de Igreja mais próxima, mais justa, mais amorosa, mais humanizada e humanizadora. Precisamos de Francisco com vida e saúde, porque seu sonho ainda está em construção, e cada um de nós é chamado a ser parte dessa caminhada.

O Papa Francisco é, a meu ver, um líder fora da curva. Ele não se coloca em um pedestal; pelo contrário, ele mesmo se diz pecador, gente como a gente, e essa humildade é o que o torna tão próximo e querido. Francisco rejeita as pompas e os formalismos que, muitas vezes, cercam o cargo que ocupa. Ele prefere a simplicidade: suas vestes são simples, escolheu morar na Casa Santa Marta em vez do Palácio Apostólico para estar mais perto das pessoas e facilitar encontros com representantes da Igreja de todo o mundo.

Ele não faz questão de ir para a casa de veraneio, em Castel Gandolfo, cidade vizinha de Roma, preferindo ficar onde pode servir e estar próximo dos fiéis. Seu senso de humor e sua capacidade de rir de si mesmo são contagiantes, mostrando que a fé não precisa ser austera para ser profunda. Amo as imagens publicadas do Papa Francisco rindo com vontade. E quem não se emocionou ao saber que, no ano passado, ele deu seus próprios sapatos para um pobre poder ir ao jantar de final de ano com o Papa? Gestos como esse revelam um homem que vive o que prega, transformando o Evangelho em ações concretas de amor e solidariedade. Francisco não é apenas um Papa, ele é um exemplo de como viver a fé com autenticidade e compaixão.

Papa Francisco, uma encíclica ambulante de amor

Para mim, o Papa Francisco é uma verdadeira Encíclica ambulante de amor. Ele não apenas fala sobre o Evangelho; ele o vive, encarnando-o no cotidiano e nas coisas mais simples da vida. Suas palavras e gestos são como páginas abertas de um ensinamento que nos convida a amar sem limites, a servir sem esperar recompensas e a acolher sem fazer distinções. Francisco nos mostra que a santidade não está nos grandes feitos, mas na capacidade de transformar o ordinário em extraordinário através do amor. Cada encontro, cada sorriso, cada palavra sua é um convite a vivermos o Evangelho com os pés no chão e o coração aberto ao mundo.

Um líder humano, sinodal e em saída

A experiência de conviver de perto com o Papa Francisco, seja através do trabalho na Rádio Vaticano, participando de suas missas e traduzindo as suas audiências e a Missa do Galo – atividades estas que eu amava fazer na Rádio – ou quer seja em encontros pessoais, possibilitou-me estar muito próximo e conhecer muito de perto um líder cuja humanidade e simplicidade transcendem o cargo que ocupa. Sua Santidade não é apenas o Sumo Pontífice da Igreja Católica, é um homem que vive aquilo que prega, demonstrando um profundo respeito por cada pessoa, sem exceção.

Durante meu tempo na Rádio Vaticano, pude observar como ele trata a todos com igual dignidade, seja um chefe de Estado ou um refugiado, um homem ou uma mulher. Essa atitude não é apenas um gesto de cortesia, mas uma expressão clara de sua visão de uma Igreja acolhedora, onde ninguém é excluído. Francisco nos lembra, a cada gesto, que a fé se vive no encontro com o outro. E vale destacar, aqui, a certeza que ele tem de que o Senhor se deixar encontrar quando acolhemos com amor crianças, mulheres, homens refugiados e migrantes em busca de melhores condições de vida.


Um dos momentos mais marcantes da minha trajetória foi o encontro com o Papa em 2016. Naquele dia, ele segurou minha mão e, com um olhar profundamente sincero, perguntou se eu sabia que era "duas vezes importante", desenho o número dois com os dedos como se pode ver na imagem. Ele mesmo respondeu: "Uma porque você é scalabriniana, e outra porque é brasileira". Na simplicidade daquelas palavras, havia uma profunda mensagem: Francisco valoriza as identidades culturais e religiosas, reconhecendo que a riqueza da Igreja está na diversidade de seus membros. Esse gesto não apenas tocou meu coração, mas também me fez refletir sobre como cada um de nós é único e insubstituível aos olhos de Deus.

Um Papa aberto, atento e próximo

Outro aspecto que marcou minha relação com o Papa Francisco foi a troca de cartas. Em um mundo cada vez mais digital, ele mantém a tradição de responder pessoalmente, com cartas físicas que chegam às nossas casas. Essas respostas não são meras formalidades; são gestos de cuidado e atenção que revelam sua profunda humanidade. Cada linha escrita por ele reflete uma escuta atenta e um desejo genuíno de dialogar. Essa prática nos lembra que a comunicação, para Francisco, não é apenas sobre transmitir mensagens, mas sobre construir pontes e fortalecer laços.

Sua visão de comunicação também se reflete em sua linguagem simples e direta, que consegue alcançar pessoas de todas as idades e culturas. Ele fala ao coração, usando palavras que inspiram e consolam. Essa habilidade não é acidental; é fruto de sua convicção de que a comunicação deve ser um instrumento de encontro e diálogo, nunca de divisão.

Francisco tem sido um defensor da maior participação das mulheres na Igreja. Ele não apenas fala sobre a importância das mulheres, mas age, colocando-as em cargos de destaque no Vaticano. Essa postura é um sinal claro de seu desejo por uma Igreja mais inclusiva, onde todos, independentemente do gênero, possam contribuir com seus dons e talentos.

Preocupação com o meio ambiente e uma Igreja em saída

A preocupação do Papa Francisco com o meio ambiente é outro aspecto que merece destaque. Em sua encíclica Laudato Si', ele nos convida a cuidar da "Casa Comum", lembrando que a crise ambiental é também uma questão moral. Para ele, a degradação do planeta está intrinsecamente ligada à injustiça social, e a Igreja tem um papel crucial na promoção de um desenvolvimento sustentável e justo. Essa visão integrada reflete sua capacidade de enxergar as conexões entre fé, ética e vida cotidiana.

O sonho de uma Igreja sinodal e em saída é talvez o traço mais marcante do pontificado de Francisco. Ele nos convida a construir uma Igreja onde todos caminham juntos, ouvindo e discernindo coletivamente. Ao mesmo tempo, ele insiste que a Igreja não pode se fechar em si mesma; deve sair ao encontro das pessoas, especialmente dos mais pobres e marginalizados. Essa visão não é apenas um projeto, mas um chamado à conversão contínua, tanto pessoal quanto comunitária.

Compaixão pelos migrantes e refugiados

O Papa Francisco, conhecido por sua profunda paixão e dedicação aos migrantes e refugiados, tem sido uma fonte de inspiração constante em meu trabalho de comunicação na Congregação. Sempre obediente à vontade do Sumo Pontífice, tive a honra de realizar, aqui no Brasil, as Campanhas para o Dia Mundial do Refugiado. Em 2021, promovemos a Campanha Em Fuga, um esforço significativo em prol daqueles que marcados pelas guerras, pela fome e pela injustiça buscam acolhida em outros países.

Ao enviar o material da campanha ao Santo Padre, fui surpreendida com uma carta física, enviada pelo correio, na qual Francisco expressou seu agradecimento e estendeu suas bênçãos a todas as Irmãs Scalabrinianas que dedicam a vida ao serviço dos migrantes e refugiados ao redor do mundo.

Créditos: Acervo Pessoal

Essa carta, que tenho emoldurada em minha sala, é um tesouro que simboliza a proximidade e o cuidado do papa com nossa missão. Em outra ocasião, recebi em minha casa uma segunda carta, na qual Francisco, com a ternura de um pai, mencionou que meu convite para almoçar em minha casa fazia todo o sentido. Suas palavras, carregadas de afeto e simplicidade, transmitiam uma mensagem clara: "Estou próximo de você, te ouço, te leio, sou atento ao que queres me dizer. E isso é lindo e é tudo para um servo do Senhor. E, recebi, há duas semanas, uma carta datada de 30 de novembro de 2024. Três cartas de um Papa, as quais me animam e me comprometem no serviço à Igreja e reforçam o laço espiritual que nos une em nossa dedicação à construção do Reino de Deus.

Francisco, um defensor da paz

Incansável defensor da paz, sua voz ressoa como um chamado urgente em um mundo marcado por conflitos, divisões e violência. Para ele, a paz não é apenas a ausência de guerra, mas um estado de harmonia que nasce da justiça, do diálogo e do respeito pela dignidade de cada ser humano. Francisco não se cansa de repetir que a "guerra é sempre uma derrota para a humanidade" e que "quem ganha com a guerra são os produtores de armas". Com essa afirmação contundente, ele expõe as raízes econômicas e políticas que alimentam os conflitos, denunciando a lógica perversa que transforma a dor humana em lucro.

Seu sonho de paz vai além dos discursos; é um convite à ação. Ele nos lembra que a paz é construída no dia a dia, através de pequenos gestos de reconciliação, de escuta atenta e de solidariedade. Em suas viagens a países devastados pela guerra, como o Sudão do Sul e a República Centro-Africana, Francisco não apenas levou uma mensagem de esperança, mas também se colocou como mediador e promotor de diálogos difíceis. Sua presença nesses lugares é um testemunho vivo de que a paz é possível, mesmo nas situações mais desesperadoras.

Além disso, o Papa Francisco insiste que a paz começa no coração de cada pessoa. Ele nos convida a combater a "cultura do descarte" e a "globalização da indiferença", que nos tornam insensíveis ao sofrimento dos outros. Para ele, a paz autêntica só pode florescer quando reconhecemos que somos todos irmãos e irmãs, membros de uma única família humana. Essa visão está profundamente enraizada na fé cristã, mas também ressoa com pessoas de todas as crenças e culturas, tornando Francisco um líder global na promoção da paz.

Em um mundo onde as divisões parecem cada vez mais profundas, o sonho do Papa Francisco com a paz é um farol de esperança. Ele nos desafia a não nos acomodarmos diante da injustiça e a sermos artífices de reconciliação, construindo pontes onde há muros e semeando amor onde há ódio. Como ele mesmo diz, "a paz é um dom precioso, que deve ser promovido e protegido". E esse dom, segundo Francisco, está ao alcance de todos nós, se estivermos dispostos a trabalhar por ele.

Papa Francisco, um líder coerente que inspira a ação

Enfim, o Papa Francisco é, acima de tudo, um líder que inspira pela coerência entre suas palavras e ações. Sua humanidade, sua atenção aos detalhes, sua defesa das mulheres, sua preocupação com o meio ambiente, sua preocupação com a paz e sua visão de uma Igreja sinodal e em saída são testemunhos vivos de uma fé que se faz ação. Minhas experiências com ele, desde o trabalho na Rádio Vaticano até os encontros pessoais e as cartas recebidas, me mostram que Francisco não é apenas um guia espiritual, mas um exemplo de como viver o Evangelho no mundo de hoje.

Ele é, de fato, um Papa fora da curva. Rompe com todos os esquemas humanos que impedem a fluidez do amor de Deus que anseia por se revelar ao mundo. Ao querido e amado Papa Francisco, toda a minha reverência, todo o meu respeito e um sincero obrigada por me ensinar a buscar a Deus e a encontrá-Lo. Saúde e vida longa Francisco. Num mundo sem referências que nos leve a Deus, Sua Santidade é o farol que nos indica o caminho que leva a Jesus. Te amo! (lágrimas de emoção, alegria e gratidão).

Rosa Maria Martins-Silva
Natural de Inhapim, Minas Gerais. Atua como Missionária Scalabriniana a serviço dos migrantes e refugiados. Licenciou-se em Filosofia, Teologia e Jornalismo. Mestra em Comunicação Social, atuou por diversos anos na Conferência Nacional dos Religiosos do Brasil (CRB Nacional), onde criou o setor de Comunicação. Trabalhou no Dicastério para a Comunicação (Rádio Vaticano). Vencedora do Prêmio CNBB de Comunicação (Prêmio Papa Francisco de Mestrado). Assessora a Vida Religiosa Consagrada com foco na comunicação como ferramenta de transformação da vida comunitária.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/testemunhos/francisco-um-papa-fora-da-curva/

10 de março de 2025

Caridade, um dos pilares fundamentais da santidade

"Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e a caridade, estas três, mas a maior delas é a caridade" (1Cor 13,13)

Paulo faz uma distinção clara da importância da caridade na vida do cristão. Ainda assim, muitas vezes, essa necessidade espiritual passa despercebida, pois o demônio está constantemente tentando convencer as pessoas a se afastarem dessa virtude.

Créditos: Fatebenefratelli/Domínio Público

A caridade segundo o Catecismo da Igreja Católica:

"[…] Nosso Senhor adverte-nos de que seremos separados d'Ele, se descurarmos as necessidades graves dos pobres e dos pequeninos seus irmãos." (CIC §1033)

Ao seguir a lei de Deus, o homem agrada diretamente o coração d'Ele, a caridade pode ser referenciada como respeito direto aos mandamentos mais importantes, pois, segundo o catecismo, "a caridade é a virtude teologal pela qual amamos a Deus sobre todas as coisas por Ele mesmo e ao próximo como a nós mesmos por amor de Deus" (CIC §1822).

"Se vês a caridade, vês a Trindade"

Santo Agostinho confirma, com essa frase, o que já foi mencionado anteriormente: com a caridade, estamos unidos a Deus, pois é isso que Ele espera dos homens — o abandono do egoísmo, do orgulho e da soberba, e a vivência da caridade, do amor e da humildade.

Agostinho também disse: "Dois amores fundaram duas cidades: o amor de Deus até o desprezo de si mesmo fez a Cidade de Deus; o amor de si mesmo até o desprezo de Deus fez a cidade dos homens".

A grande virtude do cristão

São Tomás de Aquino ensina que a caridade é a forma de todas as virtudes, ou seja, a virtude que dá sentido e finalidade às demais. Assim, a caridade deve ser o motor da vida em Deus, pois é a partir dela que o homem crescerá nas demais virtudes.

Entretanto, esse não é o único benefício espiritual que a caridade carrega. Assim como o jejum e a penitência, a caridade é uma ferramenta fundamental para vencer o pecado. Nas palavras de São Pedro: "Sobretudo, tende ardente caridade uns para com os outros, porque a caridade cobre a multidão dos pecados." (1Pd 4,8)

Exemplo na vida de São João de Deus

São João de Deus viveu uma vida muito conturbada e não encontrava objetivos concretos para si. Desde muito cedo, levou uma vida nômade, especialmente após servir no exército. Ele não conseguia se estabelecer em lugar algum e, assim, vivia uma existência vazia. Isso mudou quando se tornou livreiro, profissão pela qual se apaixonou. Além disso, fortaleceu sua vida de oração por meio da leitura.

No entanto, o verdadeiro sentido de sua vida ainda estava por vir. Ao ouvir um sermão, João ficou profundamente tocado, a ponto de adoecer. Após sair do hospital, vendeu tudo o que possuía e dedicou sua vida aos pobres.

"Fazei bem, irmãos, a vós mesmos, ajudando os pobres."

João teve uma experiência marcante nos hospitais psiquiátricos, antigamente chamados de manicômios. Lá, ele se aproximou daqueles considerados pacientes sem cura, muitos dos quais haviam sido abandonados por suas próprias famílias.

Embora não tivesse conhecimento médico, João adotou uma abordagem diferente. Ele acreditava que a cura do corpo passava pela cura da alma. Naquela época, os médicos frequentemente recorriam a métodos dolorosos e torturantes. João, ao observar essa realidade, decidiu agir de maneira oposta: em vez de infligir sofrimento, buscava dialogar com os doentes e levar Deus a eles. Muitas vezes, essa atenção e acolhimento eram exatamente o que os pacientes precisavam, mas não recebiam.

São João de Deus, por meio de sua caridade ao abandonar tudo, cresceu espiritualmente, e Deus lhe concedeu a capacidade de atender aqueles que mais necessitavam. Os frutos dessa decisão podem ser vistos até os dias de hoje. João de Deus fundou uma ordem hospitaleira que continua seu serviço pelo mundo, estando presente em mais de 53 países.

De fato, ele é um exemplo de como a caridade pode transformar vidas, mostrando que ela não apenas cura o corpo, mas também a alma, um importante motor para a vida espiritual dos cristãos.

Matheus Eleutério – estudante de jornalismo


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/caridade-um-dos-pilares-fundamentais-da-santidade/

8 de março de 2025

Mulher em transformação: transformando-se segundo o coração de Deus

Fluidez e fé, a mulher moderna em busca de sentido numa sociedade líquida

Diante do mundo contemporâneo, com muitas mudanças, este artigo propõe uma reflexão para entender de que forma a mulher moderna está sendo influenciada pelas transformações da sociedade atual, a qual tem sido um fator gerador de mal-estar na nossa civilização e um risco para não viver na Vontade de Deus, dificultando o seu processo de transformação para se tornar uma mulher segundo o coração de Deus.

Crédito: andreswd/GettyImages

O sociólogo Zygmunt Bauman também se preocupou com a questão da modernidade, definindo-a como "sociedade líquida": "Vive-se uma espécie de modernidade líquida, fluida e com um consumismo exacerbado. O que importa é consumir sem pensar nas consequências das compulsões estimuladas pelo mundo moderno. Essas compulsões levam cada vez mais à individualidade. A mulher contemporânea tornou-se o retrato fiel desse consumismo exacerbado. Ao mesmo tempo, vive uma incessante busca por um corpo perfeito. Como se vivêssemos uma doença coletiva, cresce exponencialmente o uso de medicações como ansiolíticos e antidepressivos, com frequência decorrentes da intolerância ao sofrimento."

Niilismo, a ameaça silenciosa à mulher contemporânea

Outro agravante da mulher moderna é que muitas estão perdidas, sem rumo, vivendo sem sentido, o perigo do niilismo. 


O niilismo é a negação de sentido. O Papa João Paulo II nos explicou na Encíclica Fé e Razão: "Como consequência da crise do racionalismo, apareceu o niilismo. Enquanto filosofia do nada, consegue exercer um certo fascínio sobre os nossos contemporâneos. Na interpretação niilista, a existência é somente uma oportunidade para sensações e experiências onde o efémero detém o primado. O niilismo está na origem duma mentalidade difusa, segundo a qual não se deve assumir qualquer compromisso definitivo, porque tudo é fugaz e provisório." 

Santa Teresa d'Ávila, inspiração para a mulher de Deus

Então, qual é o segredo para, de fato, nos tornarmos uma mulher segundo o coração de Deus? 

Podemos aprender com a vida de Santa Teresa d'Ávila, que, embora tenha entrado jovem no Carmelo, só com quase 40 anos de idade foi que ela teve a sua "segunda conversão". Tendo sido uma mulher santa em seus últimos anos, seus anos mais jovens foram tudo, menos perfeitos.

A mesma transformação que aconteceu na vida de Teresa precisa acontecer na nossa. Ela nos ensina que a nossa vocação é amar: "É somente o amor que dá valor a todas as coisas".

Transcrevo um trecho do meu livro "Mulheres em Transformação – Pérolas Preciosas de Deus": Nós, obras-primas do Criador, estamos nas habilidosas mãos do Senhor, que sabe quem somos e o que Ele planejou que sejamos. Não importa o quão danificadas estejamos pelo pecado, é possível a restauração. O Artista-Mestre trabalha em nós. Como São Paulo nos ensina: "Vós vos despistes do homem velho com os seus vícios, e vos revestistes do novo, que se vai restaurando constantemente à imagem daquele que o criou, até atingir o perfeito conhecimento" (Cl 3,9-10). 

O Espírito Santo quer agir na minha vida e na sua, transformando-nos em mulheres segundo o coração de Deus.

Marina Adamo


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/mulher-em-transformacao-transformando-se-segundo-o-coracao-de-deus/

7 de março de 2025

Como a adoração pode ser um remédio para nossa alma?

A cura através da adoração

A adoração é um encontro direto com Deus. Ao dedicar momentos à Sua presença, experimentamos cura e transformação interior. Esse tempo de oração e silêncio ajuda a afastar o barulho do mundo e a concentrar nossa atenção naquilo que realmente importa.

Crédito: Sidney de Almeida/GettyImages

Foco na presença de Deus

Quando adoramos, colocamos de lado as preocupações cotidianas. É uma oportunidade de parar e reconhecer que nossa força vem de Deus. Esse reconhecimento traz paz e alívio para os fardos que carregamos.

Transformação interior

A prática regular da adoração fortalece a fé e acalma a mente. Em momentos de silêncio, somos convidados a refletir sobre nossas atitudes e a buscar mudanças que nos aproximem do amor de Cristo. Essa renovação fortalece nossa esperança e nos prepara para enfrentar desafios.


Cura para a alma

O encontro com o Senhor através da adoração não é apenas um momento de contemplação; é um remédio que alivia dores emocionais e espirituais. Ao sentir a presença de Deus, encontramos conforto e um caminho para a superação das crises pessoais. É na simplicidade desse encontro que muitos experimentam uma verdadeira cura.

Aplicação prática na vida diária

  • Reserve um tempo diário para a adoração, mesmo que por alguns minutos.
  • Utilize este momento para refletir sobre sua vida com Deus e tudo o que tem vivido

Conclusão

A adoração é um remédio eficaz para nossas almas, pois nos reconecta com a fonte de nossa vida e do nosso sentido de vida. Ao buscar esse encontro sincero com Deus, sua presença, abrimos espaço para a transformação pessoal e para a cura interior.  Na prática, pode parecer uma ferramenta simples, mas poderosa; o que ocorre, de fato, é que nos ajuda a viver uma fé mais autêntica e plena.

Almir Rivas – @rivasalmir
Missionário da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/como-a-adoracao-pode-ser-um-remedio-para-nossa-alma/

6 de março de 2025

Cultivar a alegria


"Não entregues tua alma à tristeza…" (Eclo 30, 22). De todos os sentimentos, para mim, o mais difícil de vivenciar é a tristeza. A alegria sempre foi natural na minha alma. Desde a infância, sempre gostei muito de cultivar a alegria, de fazer as pessoas próximas rirem também. Até a saudade, as dores da perda são, na minha vida, mais leves que a tristeza.

A outra face do sofrimento deve ser o sorriso

"A alegria do coração é a vida do homem, um inesgotável tesouro de santidade" (Eclo 30, 23). Santa Tereza de Calcutá escreveu em uma de suas cartas que "o meu segundo propósito é o de tornar-me uma apóstola da alegria (…) – Quero sorrir – mesmo para Jesus – e assim ocultar mesmo a Ele – se possível – a dor e a escuridão da minha alma."*  

A alegria é um dom e, como todos os dons, vem de Deus. Acredito que o sofrimento deve ter, como outra face, o sorriso. Se assim procedemos, dizemos a Deus que aceitamos o fardo. Se não, parece que ficamos devendo alguma coisa a Cristo, como se a vontade Dele fosse aceita por mim somente por obrigação. Claro que não é fácil sorrir nos reveses da vida. Mas é uma decisão que podemos tomar e é o melhor caminho para viver e ser feliz.

O sorriso me liberta das minhas dores

Santa Teresinha do Menino Jesus disse: "O coração é meu, pode sofrer. O rosto é do meu irmão, deve sorrir." E ela teve a alegria como um mandamento de vida. Muitas vezes chorei sorrindo e meu sorriso me consolou. Meus olhos expressam minhas dores, mas meu sorriso me liberta delas. Sorrir diz primeiro a mim, que é necessário lutar, não se entregar; e depois diz ao irmão que vale a pena viver e carregar no bolso um sorriso para distribuir nos momentos em que a desesperança bate à porta, "pois a tristeza matou a muitos e não há nela utilidade alguma" (Eclo 30, 25). Então sorrio e, como consequência, colho frutos de alegria, fonte de juventude e leveza da alma, de esperança, de força, de aceitação…   

Assim sendo, sorrindo mesmo sofrendo, vejo a face de Jesus na minha frente, que sofreu com a serenidade e a alegria de quem sabe onde estão escondidos seus tesouros.

Nem as piores dores são inconciliáveis com a alegria

Vejo que ser feliz, independentemente das dificuldades que enfrentamos, é um grande amadurecimento. Uma alma preparada e forte aprende que nem as piores dores são inconciliáveis com o dom da alegria e com a paz que ele proporciona.

A alegria deve ser premente e deve sempre remeter-nos à lembrança da finitude da vida, da inconstância dos dias, da certeza de que aqui não é lugar de repouso ou de descanso das dores e das dificuldades… Aqui é lugar de luta, de romper cárceres, de aprofundar no mais íntimo da alma, do coração e ali encontrar Deus… Minha maior alegria… Que seja a sua também!

*Venha, seja Minha luz – os escritos privados as santa de Calcutá. Ed. Petra, pág. 180.

Viviani Melo Membro de aliança da Comunidade Mel de Deus


Fonte: https://meldedeus.com/a-alegria/

Santa Rosa de Viterbo, a pequena gigante da fé

A fé inquebrável de Santa Rosa de Viterbo

Rosa é prova e testemunho para nós de que mesmo uma vida breve e simples pode ser extraordinária e admirável, influenciando milhares de pessoas no transcorrer dos séculos. Sua fé, enraizada no amor, dava-lhe autenticidade. Todos sabiam que ela pregava sobre aquilo em que firmemente acreditava, sobre aquilo que vivia, sobre aquilo que sinceramente amava e sentia.

Crédito: Bartolome Esteban / Domínio Público

Um nascimento excepcional

Seu nascimento já indicava algo excepcional, pois quem nascia com o esterno – osso na parte anterior do tórax – era condenado a morrer em três anos, porque seu esqueleto não consegue ser sustentado. No entanto, Rosa viveu 18 anos, sempre com o sorriso nos lábios.

Isso fez-me lembrar o que nos ensinava Monsenhor Jonas Abib: ele dizia a nós, missionários da Canção Nova, que teríamos um hábito (ou seja, um vestimento religioso diferenciado), mas que o nosso hábito, o que nos distinguiria como Canção Nova, seria nosso sorriso. O sorriso é algo poderoso e muito evangelizador, pois nos acolhe sem julgamentos.

Rosa, não podendo receber o hábito religioso, entrou para a Ordem Terceira de São Francisco e começou a percorrer toda a cidade, com uma cruz no pescoço, levando uma vida de penitência e de caridade com os pobres e enfermos.

Um contexto de conflitos

Rosa viveu numa época de grandes confrontos entre os poderes do pontificado e do imperador, somados aos conflitos civis provocados por duas famílias que disputavam o governo da cidade de Viterbo. Ela nasceu nesta cidade num dia incerto do ano de 1234. Os pais, João e Catarina, eram cristãos fervorosos. Então, o contexto social e histórico era muito conflituoso.


Rosa teria muitas justificativas para explicar sua impossibilidade de fazer algo pelo outro. Mas ela não se deu por vencida, pois quem tem seu coração verdadeiramente abrasado pelo amor de Deus não consegue se conter e sente uma imperiosa necessidade de levar esse amor a outros. Como sua mãe, Catarina, trabalhava com as Irmãs Clarissas do mosteiro da cidade, Rosa recebeu a influência da espiritualidade franciscana ainda muito pequena.

Dons especiais e amor incondicional

Ela era uma criança carismática, possuía dons especiais e um amor incondicional ao Senhor e a Virgem Maria. Dizem que, com apenas três anos de idade, transformava pães em rosas e, aos sete, pregava nas praças, convertendo multidões. Aos doze anos, ingressou na Ordem Terceira de São Francisco por causa de uma visão em que Nossa Senhora assim lhe determinava.

Defesa da fé e exílio

No ano de 1247, a cidade de Viterbo, fiel ao Papa, caiu nas mãos do imperador Frederico II, um herege que negava a autoridade do Papa e o poder do Sacerdote de perdoar os pecados e consagrar. Lembrando que o próprio Jesus deixou bem claro para Pedro o poder de ligar e desligar nos céus. Está em Mateus 16,19: "Eu lhe darei as chaves do Reino dos Céus; o que você ligar na terra terá sido ligado nos céus; e o que você desligar na terra terá sido desligado nos céus".

Rosa teve outra visão, desta vez com Cristo, que estava com o coração em chamas. Ela não se conteve, saiu pelas ruas pregando com um crucifixo nas mãos. A notícia correu toda a cidade, muitos foram estimulados na fé, e vários hereges se converteram. Com suas palavras, confundia até os mais preparados. Por isso, representava uma ameaça para as autoridades locais.

Em 1250, o prefeito a condenou ao exílio. Rosa e seus pais foram morar em Soriano, onde sua fama já havia chegado.

Retorno e morte

Na noite de 5 de dezembro de 1251, Rosa recebeu a visita de um anjo que lhe revelou que o imperador Frederico II, uma semana depois, morreria. O que de fato aconteceu. Com isso, o poder dos hereges enfraqueceu, e Rosa pôde retornar a Viterbo. Toda a região voltou a viver em paz. No dia 6 de março de 1252, sem agonia, ela morreu.

O processo de canonização

No mesmo ano, o Papa Inocêncio IV mandou instaurar o processo para a canonização de Rosa. Cinco anos depois, o mesmo Pontífice mandou exumar o corpo e, para a surpresa de todos, ele foi encontrado intacto. O convento das Irmãs Clarissas, que nesta cerimônia passou a se chamar Convento de Santa Rosa.

Depois dessa cerimônia, a Santa só foi "canonizada" pelo povo, porque, curiosamente, o processo nunca foi promulgado. A canonização de Rosa ficou assim, nunca foi oficializada. Mas também nunca foi negada pelo Papa e pela Igreja. Santa Rosa de Viterbo, desde o momento de sua morte, foi "canonizada" pelo povo.

Um legado de fé

Sua vida demonstra a força e a luz de alguém que abraça a fé com determinação e plenitude. A presença de Deus nessas almas torna-se palpável e concreta para aqueles que as circundam. Aprendamos com Santa Rosa a abraçar a fé com firmeza e integridade, não importa as circunstâncias que nos cerquem.

Santa Rosa de Viterbo, rogai por nós!

Edvânia Duarte Eleutério
Missionária da Comunidade Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/santos/santa-rosa-de-viterbo-pequena-gigante-da-fe/

5 de março de 2025

Conversão e Penitência

– Fomentar a conversão do coração, especialmente durante este tempo.
– Obras de penitência: o jejum, a mortificação, a esmola…
– A Quaresma, um tempo para nos aproximarmos mais de Deus.

I. COMEÇA A QUARESMA, tempo de penitência e de renovação interior para prepararmos a Páscoa do Senhor 1A liturgia da Igreja convida-nos com insistência a purificar a nossa alma e a recomeçar novamente.

Diz o Senhor Todo-Poderoso: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração, com jejum, lágrimas e gemidos de luto. Rasgai os vossos corações, não as vossas vestes; convertei-vos ao Senhor vosso Deus, porque ele é compassivo e misericordioso… 2, lemos na primeira leitura da Missa de hoje. E quando o sacerdote impuser as cinzas sobre as nossas cabeças, recordar-nos-á as palavras do Gênesis, depois do pecado original: "Memento homo, quia pulvis es…Lembra-te, ó homem, de que és pó e em pó te hás de tornar 3.

"Memento homo…Lembra-te… E, não obstante, às vezes esquecemos que sem o Senhor não somos nada. "Sem Deus, nada resta da grandeza do homem senão este montinho de pó sobre um prato, numa ponta do altar, nesta Quarta-feira de Cinzas, com o qual a Igreja nos deposita na testa como que a nossa própria substância" 4.

O Senhor quer que nos desapeguemos das coisas da terra para que possamos dirigir-nos a Ele, e que nos afastemos do pecado, que envelhece e mata, e retornemos à fonte da Vida e da alegria: "O próprio Jesus Cristo é a graça mais sublime de toda a Quaresma. É Ele quem se apresenta diante de nós na simplicidade admirável do Evangelho" 5.

Dirigir o coração a Deus, converter-se, significa estarmos dispostos a empregar todos os meios para viver como Ele espera que vivamos, a não tentar servir a dois senhores 6, a afastar da vida qualquer pecado deliberado. Jesus procura em nós um coração contrito, conhecedor das suas faltas e pecados e disposto a eliminá-los. Então lembrar-vos-eis do vosso proceder perverso e dos vossos dias que não foram bons… 7. O Senhor deseja uma dor sincera dos pecados, que se manifestará antes de mais nada na Confissão sacramental: "Converter-se quer dizer para nós procurar novamente o perdão e a força de Deus no sacramento da reconciliação e assim recomeçar sempre, avançar diariamente" 8.

Para fomentar em nós a contrição, a liturgia de hoje propõe-nos o salmo com que o rei David manifestou o seu arrependimento, o mesmo com que tantos santos suplicaram o perdão de Deus.

Tende piedade de mim, Senhor, segundo a vossa bondade. E, segundo a imensidão da vossa misericórdia, apagai a minha iniqüidade, dizemos a Jesus com o profeta real.

Lavai-me totalmente da minha falta e purificai-me do meu pecado. Eu reconheço a minha iniqüidade e tenho sempre diante de mim o meu pecado. Somente contra Vós pequei.

Ó meu Deus, criai em mim um coração puro e renovai-me o espírito de firmeza. Não me expulseis para longe do vosso rosto, não me priveis do vosso santo espírito.

Restituí-me a alegria da salvação e sustentai-me com uma vontade generosa. Senhor, abri os meus lábios a fim de que a minha boca anuncie os vossos louvores 9.

O Senhor nos atenderá se no dia de hoje repetirmos de todo o coração, como uma jaculatória: Ó meu Deus, criai em mim um coração puro e renovai-me o espírito de firmeza.

II. O SENHOR também nos pede hoje um sacrifício um pouco especial: a abstinência e, além dela, o jejum, pois o jejum "fortifica o espírito, mortificando a carne e a sua sensualidade; eleva a alma a Deus; abate a concupiscência, dando forças para vencer e amortecer as suas paixões, e prepara o coração para que não procure outra coisa senão agradar a Deus em tudo" 10.

Além destas manifestações de penitência (a abstinência de carne a partir dos 14 anos e o jejum entre os 18 e os 59 completos), que nos aproximam do Senhor e dão à alma uma alegria especial, a Igreja pede-nos também que pratiquemos a esmola que, oferecida com um coração misericordioso, deseja levar um pouco de consolo aos que passam por privações ou contribuir conforme as possibilidades de cada um para uma obra apostólica em bem das almas. "Todos os cristãos podem praticar a esmola, não só os ricos e abastados, mas mesmo os de posição média e ainda os pobres; deste modo, embora sejam desiguais pela sua capacidade de dar esmola, são semelhantes no amor e afeto com que a praticam" 11.

O desprendimento das coisas materiais, a mortificação e a abstinência purificam os nossos pecados e ajudam-nos a encontrar o Senhor. Porque "quem procura a Deus querendo continuar com os seus gostos, procura-o de noite e, de noite, não o encontrará" 12.

A fonte desta mortificação está principalmente no trabalho diário: nos pormenores de ordem, na pontualidade com que começamos as nossas tarefas, na intensidade com que as realizamos; na convivência com os colegas, que nos deparará ocasiões de mortificar o nosso egoísmo e de contribuir para criar um clima mais agradável à nossa volta. "Mortificações que não mortifiquem os outros, que nos tornem mais delicados, mais compreensivos, mais abertos a todos. Não seremos mortificados se formos suscetíveis, se estivermos preocupados apenas com os nossos egoísmos, se esmagarmos os outros, se não nos soubermos privar do supérfluo e, às vezes, do necessário; se nos entristecermos quando as coisas não correm como tínhamos previsto. Pelo contrário, seremos mortificados se nos soubermos fazer tudo para todos, para salvar a todos (I Cor 9, 22)" 13Cada um de nós deve preparar um plano concreto de pequenos sacrifícios para oferecer ao Senhor diariamente nesta Quaresma.

III. NÃO PODEMOS DEIXAR passar este dia sem fomentar na alma um desejo profundo e eficaz de voltar uma vez mais para Deus, como o filho pródigo, a fim de estarmos mais perto dEle. São Paulo, na segunda leitura da Missa, diz que este é um tempo excelente que devemos aproveitar para nos convertermos: Nós vos exortamos a não receber a graça de Deus em vão […]. Agora é o tempo favorável, agora é o dia da salvação 14E o Senhor nos repete a cada um, na intimidade do coração: Convertei-vos. Voltai-vos para mim de todo o coração.

Abre-se agora um tempo em que este recomeçar em Cristo se irá apoiar numa particular graça de Deus, própria do tempo litúrgico que começamos. Por isso, a mensagem da Quaresma está repassada de alegria e de esperança, ainda que seja uma mensagem de penitência e mortificação.

"Quando algum de nós reconhece estar triste, deve pensar: é que não estou suficientemente perto de Cristo. E o mesmo deve pensar quando reconhece em si uma clara tendência para o mau humor, para a irritação. E não deve pretender jogar a culpa nas coisas que tem à sua volta, pois seria um erro e uma maneira de se desorientar na procura da causa dos seus estados de ânimo" 15.

Às vezes, certa apatia ou tristeza espiritual pode ser motivada pelo cansaço, pela doença…, mas com muito mais freqüência procede da falta de generosidade em corresponder ao que o Senhor nos pede, do pouco esforço em mortificar os sentidos, da falta de preocupação pelos outros. Em resumo, de um estado de tibieza.

Em Cristo encontramos sempre o remédio para uma possível tibieza e as forças para vencer defeitos que de outro modo seriam insuperáveis. Quando alguém diz: "Sou irremediavelmente preguiçoso, não sou tenaz, não consigo terminar as coisas que começo, deveria pensar (hoje): Não estou tão perto de Cristo como deveria.

"Por isso, aquilo que cada um de nós possa reconhecer na sua vida como defeito, como doença, deveria ser imediatamente referido a este exame íntimo e direto: Não sou perseverante? Não estou perto de Cristo. Não sinto alegria? Não estou perto de Cristo. Vou deixar de pensar que a culpa é do trabalho, que a culpa é da família, dos pais ou dos filhos… Não. A culpa íntima é do fato de eu não estar perto de Cristo. E Cristo me está dizendo: Volta. Voltai-vos para mim de todo o coração.

"[…] Tempo para que cada um se sinta urgido por Jesus Cristo. Para que os que alguma vez se sentiram inclinados a adiar esta decisão saibam que chegou o momento. Para que os que estão dominados pelo pessimismo, pensando que os seus defeitos não têm remédio, saibam que chegou o momento. Começa a Quaresma; vamos encará-la como um tempo de mudança e de esperança" 16.

(1) Cfr. Conc. Vat. II, Const. Sacrossanctum Concilium, 109; (2) Joel 2, 12; (3) Gên 3, 19; (4) J. Leclercq, Siguiendo el año litúrgico, Madrid, 1957, pág. 117; (5) João Paulo II, Homilia da Quarta-feira de Cinzas, 28-II-1979; (6) cfr. Mt 6, 24; (7) Ez 36, 31-32; (8) João Paulo II, Carta Novo incipiente, 8-IV-1979; (9) Sl 50, 3-6.12-14.17; (10) São Francisco de Sales, Sermão sobre o jejum; (11) São Leão Magno,Liturgia das Horas. Segunda leitura da quinta-feira depois das Cinzas; (12) São João da Cruz, Cântico espiritual, 3, 3; (13) São Josemaría Escrivá, É Cristo que passa, 3ª ed., Quadrante, São Paulo, n. 9; (14) 2 Cor 5, 20; Segunda leitura da Missa da Quarta-feira de Cinzas; (15) A. M. García Dorronsoro, Tiempo para creer, pág. 118; (16) ib.

Fonte: Livro "Falar com Deus", de Francisco Fernández Carvajal


Fonte: https://institutohesed.org.br/conversao-e-penitencia-2/