23 de agosto de 2025

Coração de Pai

A reflexão da importância da figura paterna através de São José

A figura paterna conta muito na estruturação do caráter e da personalidade do ser humano e a carência de paternidade pode explicar o desgoverno existencial que aflige tantas pessoas, com desdobramentos para a vida em sociedade. Em um mundo carente de paternidade, oportunidades para se avançar, qualitativamente, no viver humano, são perdidas. Merece, pois, na oportunidade oferecida pelo segundo domingo de agosto, Dia dos Pais, refletir sobre a importância da figura paterna à luz do exemplo de São José.

Créditos: piccerella by GettyImages / cancaonova.com

O mundo precisa do "Coração de pai", expressão que é título da Carta Apostólica do Papa Francisco, apresentada em 2020, no sesquicentenário da Declaração de São José como Padroeiro Universal da Igreja. Contemplar a vida de São José, inspiração para os pais, contribui para que este mundo supere a sua carência de paternidade – uma sociedade desnutrida da figura paterna convive com estreitamentos de horizontes humanísticos que aprisionam o ser humano na força ilusória do dinheiro, da fama, dos títulos.

Contemplar o modo como São José exerce a paternidade – ele é pai adotivo de Jesus, educador da casa de Nazaré ao lado de Maria – possibilita iluminar a ação de graças pelo Dia dos Pais com nobres lições. Aprendidas, essas lições capacitam homens e mulheres a adequadamente exercerem suas responsabilidades. Cada pai deve ser referência na vida de seus filhos, ajudando a consolidar valores e posturas que alcançam o mais completo e nobre sentido do viver humano.

A vida de São José tem força para inspirar correções diante de destemperos sociais e institucionais

A exemplo de São José, os pais são chamados a compreender a própria vida como dom, dedicando-a ao compromisso sociopolítico e espiritual de qualificar a sociedade. Incontestável, pois, é a urgência contemporânea de se aprender a ser pai, de resgatar a figura paterna modelar no mais profundo da consciência e da vivência. Esse resgate ajuda a superar destemperos pessoais e institucionais que também são fruto de mediocridades e da mesquinhez. A vida de São José tem força para inspirar correções. Fala-se resumidamente de São José nos evangelhos, com relevos postos pelos evangelistas Mateus e Lucas, delineando o suficiente para se compreender a exemplaridade do Padroeiro da Igreja no exercício da paternidade e a importância de sua missão.

São José é insigne protetor, como testemunha Santa Teresa D'Ávila, ao dizer que dele recebia tudo de que precisava. Para Santa Teresa, suas obras foram sempre exitosas, material e espiritualmente, graças à ajuda recebida do Padroeiro Universal da Igreja.

São José é, especialmente, uma escola sobre o exercício da paternidade. Ao assumir a condição de pai adotivo de Jesus, o fez em obediência amorosa a Deus, Pai do Salvador. São José, assim, compreendeu que sua missão vai muito além de ocupar um lugar ou de oferecer cuidados materiais. A sua paternidade foi emoldurada pela transcendência, que lhe possibilitou a singular compreensão sobre a missão do próprio Cristo, o Menino Jesus.

Missão infinitamente maior que a tradição judaica de se aprender a profissão do pai. Assim, José foi além do ensino das habilidades essenciais à carpintaria de Nazaré. Homem de presença cotidiana discreta, torna-se protagonista na história da salvação, pai amado que se coloca inteiramente a serviço do crescimento, em graça e sabedoria, do filho de Deus.

O amor de São José, assim, transluz o olhar de Jesus: o carpinteiro dedica a sua vida, integralmente, ao cuidado da Sagrada Família. Sua atitude desdobra-se em princípio e lição que precisa ser sempre, e cada vez mais, testemunhada, aprendida. José ensinou Jesus a andar segurando-o pela mão, infundindo confiança pela proximidade e ternura.

Importa, pois, perceber, a força da ternura, forma de enfrentar a fragilidade humana, sem idealismos narcísicos desnorteadores que conduzem a ilusões perigosas no âmbito do poder. A ternura suplanta a obra do maligno, é caminho para encontrar a misericórdia de Deus e tornar-se capaz de ser instrumento da reconciliação.


Paternidade que acolhe, ensina e inspira coragem para transformar vidas

Contemplando o exemplo de São José, é possível reconhecer: a paternidade possibilita a experiência da acolhida, do abraço, do amparo e do perdão, pela infusão de uma coragem que debela o medo paralisante, incapacitante para o diálogo. A figura paterna ajuda o ser humano a compreender a importância determinante da obediência – fruto da escuta que permite enxergar para além dos limites da própria visão.

Uma obediência que vence a angústia de não compreender desígnios, por vezes alimentada pelas ilusões dos próprios cálculos e limites humanos. O exercício exemplar da paternidade revela-se em São José, com sua paciência e confiança em Deus, tornando-o vitorioso diante das muitas vicissitudes e percalços, com o desenvolvimento da resiliência e tenacidade, mesmo quando teve que percorrer longas distâncias, deixar a sua pátria, como ocorreu na fuga para o Egito.

Seu respeito às prescrições da Lei modela a aprendizagem de Jesus, constituindo uma escola domiciliar. Essa escola contribui para que José transmita a sua resiliência ao filho – sem escorregar na direção de soluções fáceis, covardes e desonestas. Constitui para o filho a mais importante herança: o valor do acolhimento, pela nobreza da oração e de tudo subordinar à caridade, lei maior e inegociável.

No lastro da caridade de São José, o brilho de sua atitude respeitosa à mulher, sem violências físicas, verbais ou psicológicas. Mesmo nas situações em que se viu confuso, manteve-se respeitoso, delicado. Um jeito de ser que é essencial às dinâmicas de reconciliação, ao protagonismo corajoso e forte na construção de uma trajetória.

José, sublinha a carta apostólica do Papa Francisco, é um pai com coragem criativa, abrindo espaço no seu íntimo até mesmo para aquilo que não escolheu, atento às intervenções de Deus por meio de pessoas e acontecimentos, enfrentando um mundo que parece estar à mercê de fortes e poderosos.

E na consideração das muitas lições da paternidade de José, a figura de pai trabalhador, iluminadora neste tempo em que tantos homens são excluídos do direito ao trabalho digno. São José, com seu exemplo, interpela o mundo contemporâneo a promover, sempre mais, o direito ao trabalho, um desafio social.

A figura de José ilumine a gratidão aos pais, e seja uma oração-apelo pela qualificação da paternidade. O mundo precisa do coração de pai.



Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atual membro da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para as Igrejas Orientais. No Brasil, é bispo referencial para os fiéis católicos de Rito Oriental. http://www.arquidiocesebh.org.br


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/familia/coracao-de-pai/

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