23 de maio de 2025

Leão XIV e o martírio nos dias de hoje

O martírio permanece uma realidade dolorosa e atual

O Papa Leão XIV, 267º sucessor de São Pedro – apóstolo martirizado durante a perseguição de Nero em 64 d.C. – assumiu o pontificado sob intensa atenção mundial, com olhares voltados para a tão aguardada fumaça branca. Sua eleição, como primeiro papa nascido nos Estados Unidos, despertou grande curiosidade sobre sua trajetória, especialmente sua experiência missionária no Peru. Imagens de sua vida, celebrações familiares e até momentos descontraídos viralizaram nas redes sociais. Entre esses registros, um vídeo se destacou. Durante uma homilia no Crisma, no Peru, Dom Robert Prevost abordou o significado do martírio nos dias atuais:

"Provavelmente, nenhum de nós será chamado ao derramamento de sangue. Não enfrentamos perseguições como nos primeiros séculos. Mas há outras formas de perseguição, como o escárnio. Muitos de vocês já ouviram de colegas ou familiares: 'Por que perder tempo com Igreja e religião? Os católicos são todos corruptos, narcisistas, mentirosos… Por que crer em Deus quando se pode viver uma vida cômoda, cheia de prazeres?' Isso também é perseguição. Receber o Crisma é declarar publicamente sua fé, assumir a maturidade cristã e estar disposto a viver – e até morrer – alegremente por sua vocação. Desde o batismo, somos chamados à fidelidade, ao seguimento de Jesus Cristo e à busca da vida eterna."

Créditos: Domínio Público.

Embora o martírio possa parecer algo do passado, ele permanece uma realidade dolorosa e atual. Pesquisadores ligados à Comissão Vaticana para análise de casos de martírio receberam mais de 20 mil relatos de todo o mundo, resultando em uma lista de 3.400 mártires apenas entre 1996 e 2000. O Papa Francisco enfatizou: "Hoje, temos mais mártires do que nos primeiros séculos".

"No passado, cristãos eram lançados às feras no Coliseu para entretenimento. Hoje, no anonimato e esquecimento, muitos ainda são mortos ou perseguidos enquanto rezam ou celebram missa. A disposição da alma, porém, é a mesma: ontem e hoje", afirmou o Papa Francisco em um discurso em 2018.


A perseguição religiosa, infelizmente, continua a crescer. Segundo dados recentes, a liberdade religiosa é gravemente violada em 61 países, com assassinatos e sequestros por causa da fé ocorrendo em ao menos 40 deles. Aproximadamente 62% da população mundial vive em locais onde há violações graves ou gravíssimas desse direito fundamental.

Ser cristão ainda custa a vida em muitos lugares do mundo

Atualmente, cristãos de 18 países enfrentam discriminação, prisão, deslocamento forçado e até assassinato. Segundo relatório da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre, esses países incluem: Arábia Saudita, Egito, Nicarágua, Burkina Faso, Nigéria, Moçambique, Turquia, Síria, Iraque, Irã, Paquistão, Índia, Coreia do Norte, China, Vietnã, Mianmar, Eritreia e Sudão.

A palavra "mártir" vem do grego martyria (μάρτυς), que significa "testemunha". No cristianismo, mártir é aquele que testemunha sua fé até as últimas consequências, mesmo diante da perseguição e da morte. Como diz o Evangelho:

"Sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e jogados na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome. Será uma ocasião para dardes testemunho. (…) Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. Alguns de vós matarão. Sereis odiados por todos, por causa do meu nome." (Lc 21,12-13.16-17)

O martírio, portanto, não é apenas uma memória histórica, mas uma realidade viva, que desafia e inspira os cristãos a permanecerem fiéis ao Evangelho, mesmo diante das adversidades do nosso tempo.

Rodrigo Luiz dos Santos
Missionário na Canção Nova, Rodrigo Luiz formou-se em Jornalismo pela Faculdade Canção Nova. É casado com Adelita Stoebel, também missionária na mesma comunidade. Autor de livros publicados pela Editora Canção Nova.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/leao-xiv-e-o-martirio-nos-dias-de-hoje/

22 de maio de 2025

A importância do diálogo para o desenvolvimento do ser humano

Dialogar é o caminho da permanente construção da vida social, familiar e individual

A tarefa de construir o bem comum necessita, acima de tudo, de diálogo. Dialogar qualifica a capacidade humana de se dirigir ao outro, nas diferenças e nos parâmetros racionais das oposições. Permite também estabelecer uma relação com a lucidez de discernimentos e escolhas. Trata-se de prática que não oferece espaço para o ódio, vinganças e o aproveitamento espúrio de oportunidades para obter ganhos na contramão do bem comum. A ausência do diálogo permanente, em todas as esferas das relações humanas, explica o nascimento de descompassos, as mazelas de escolhas, os absurdos dos procedimentos que comprometem legalidades e produzem os leitos da corrupção.

Créditos: Imagem gerada por Inteligência Artificial / CHAT GPT

Somente pela via do diálogo os muitos segmentos da sociedade construirão o tecido de uma cultura que sustente princípios e legalidades. As guerras, os acirramentos partidários, o recrudescimento da violência, os fundamentalismos – religiosos e políticos -, as inimizades, as crises familiares, tudo advém de incompetências humanas na essencial capacidade para dialogar. Uma qualidade fundamental para se escolher bem, decidir e garantir rumos adequados. Quando falta a indispensável competência da reciprocidade conquistada pelo diálogo, as consequências são sempre desastrosas.

A qualidade do diálogo

Só o diálogo constrói entendimentos que levam à compreensão das mudanças e transformações tão velozes neste tempo. A vivência desse exercício mostra a importância da participação cidadã. Garante lucidez na condução de processos e engradece a alma, fazendo-a apreciar o que se baseia no altruísmo. Sem a abertura para a reciprocidade nos exercícios relacionais em diferentes ambientes – do aconchego da vida familiar aos grupos religiosos, culturais e políticos -, o que se faz torna-se desserviço. Líderes incapacitados para o diálogo, particularmente no âmbito da política, são obstáculos nos funcionamentos da sociedade, prejudicando o bem comum.


O diálogo, longe de ser "conversa fiada", fofoca, palavras trocadas pelo simples gosto de falar – especialmente aquele gosto muito comum de se falar dos outros -, é a construção de entendimentos que dão suporte para a criação e manutenção do ethos do altruísmo, da seriedade no que se faz e da busca pela verdade. Promove, assim, a coragem da transparência, em todos os sentidos e níveis, balizando na honestidade relações e funcionamentos. A qualidade do diálogo depende muito da visão construída no horizonte dos cidadãos, para além de paixões partidárias. O exercício do diálogo alarga a visão de mundo do cidadão, os horizontes dos funcionamentos institucionais. Permite alcançar a compreensão que anima a indispensável autoestima, a consciência histórica e a configuração política merecedora de credibilidade. Nesse sentido, o diálogo é força para fazer com que a sociedade seja verdadeiramente democrática, capaz de respeitar e promover, com fecundidade, o bem comum.

O diálogo é remédio para curar irracionalidades

Dialogar é o caminho da permanente construção da vida social, familiar e individual. O diálogo é remédio para curar irracionalidades, tônico que fortalece entendimentos cidadãos, intervenção que alarga as estreitezas de interpretações. O princípio do bem comum é o que deve nortear a sociabilidade, superando, assim, radicalismos e violências. Para além de qualquer simples interesse, sobretudo daquele que nasce da idolatria do dinheiro, cada cidadão tem a tarefa de preservar e de promover esse princípio.

O respeito e a promoção do bem comum são deveres de todos. Por isso, ecoe em todo canto, e permeie os tecidos da cultura na sociedade atual, na particularidade do momento vivido na sociedade brasileira, a autoridade do convite e da recomendação do Papa Francisco, dirigindo-se aos brasileiros: é preciso investir todas as forças no diálogo para reconstruções, respeito a legalidades e encontro das indispensáveis saídas, evitando descompassos que comprometam a civilidade, a ordem e a justiça. Acima de tudo, os segmentos diversos da sociedade, para superar mediocridades, partidarismos, radicalismos de todo tipo, fecundando nova cultura, precisam estar em diálogo pelo bem comum.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/em-dialogo-pelo-bem/

21 de maio de 2025

Como se relacionar com Nossa Senhora no dia a dia?

Cada paróquia no Brasil tem um título de Nossa Senhora que ganha destaque na comunidade local. Quando se aproxima a festa relacionada a esse título mariano, a paróquia se mobiliza, faz novena, quermesse e celebra muito a festividade.

Nossa Senhora só está presente em nossa vida nesses momentos particulares? Somos fiéis devotos dela, mas só pedimos sua intercessão nas Missas celebrativas ou quando estamos com problemas a resolver? Não é esse o desejo de Deus ao nos dar Maria como Mãe, nem é o desejo dela ao nos assumir como filhos. Ela quer participar do nosso dia a dia, auxiliando-nos e fortalecendo-nos na caminhada até Deus.

Foto ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

Trazer Nossa Senhora para perto

São Bernardo nos ensina que "nos perigos, nas angústias e dúvidas, devemos pensar em Maria, invocando-a". São Boaventura afirma: "Jamais li que algum santo não tivesse sido devoto especial da Santíssima Virgem". Na oração da Ladainha de Nossa Senhora, nós a chamamos de "auxílio dos cristãos". Sim, ela o é! Nossa Senhora é Auxiliadora!

No Evangelho de João 19,26-27, vemos que "Jesus, ao ver sua mãe e, ao lado dela, o discípulo que ele amava, disse a ela: 'Mulher, eis o teu filho!'. Depois, disse ao discípulo: 'Eis a tua mãe!'. A partir daquela hora, o discípulo a acolheu no que era seu'".

Papa Francisco, ao meditar essa leitura, fala-nos: "Temos uma Mãe que está conosco, que nos protege, acompanha e ajuda também nos tempos difíceis, nos maus momentos".

A maternidade de Maria

Podemos encontrar um vasto conteúdo nos escritos dos Papas e Santos da Igreja mostrando-nos a real maternidade de Maria. A resposta de João às Palavras do Cristo na cruz nos mostra qual deve ser nossa postura ao acolher a Virgem Santa como Mãe: "A partir daquela hora, o discípulo a acolhe no que era seu". Esse é o centro do relacionamento materno entre Maria e seus filhos, não somente crer na maternidade, mas trazer Nossa Senhora para perto, colocá-la a par dos acontecimentos e sentimentos que, diariamente, compõem nossa vida, e para isso há um caminho eficaz: a oração.

Seja o Rosário, o Ofício, a Ladainha ou uma jaculatória que invoca a proteção da Santíssima Virgem, seja um momento longo ou um breve elevar da alma até o colo sublime da Mãe de Deus, o certo é que devemos seguir o exemplo de João e trazer Maria para tudo o que nos pertence. Apresentar a ela nossos conflitos e medos, nossas vitórias e projetos, e tê-la como Mãe é encontrar nela uma companheira para o dia a dia.

Muitas vezes, durante o meu dia, elevo meu coração a Maria. Além de rezar o Santo Terço, vou colocando-me nas mãos dela no decorrer das horas e dos fatos ocorridos. Quando estou realizando algum trabalho, para o qual não tenho muito domínio, vou pedindo a Maria que venha em meu auxílio. Quando vivo uma situação difícil, busco nela um apoio.


Mostra-te, Mãe

Na Carta Encíclica Adiutricem Populi, Papa Leão XIII fala de uma jaculatória simples, mas eficaz: "Mostra-te, Mãe". Ele convida os cristãos a invocar Maria nos acontecimentos do dia e pedir sua presença ou seu conselho.

Maria não somente quer nos acolher como filhos, como deseja nos acompanhar por toda nossa peregrinação aqui na Terra rumo à morada eterna.

Nos acontecimentos duros da vida, nos momentos de solidão e dor, alegria e realização, clamemos essa simples oração que nos ensina o Santo Padre: "Mostra-te, Mãe". Confiemos: aquela que acompanhou Jesus até o Calvário também nos acompanhará por todos os caminhos.

Equipe Formação Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/nossa-senhora/como-se-relacionar-com-nossa-senhora-no-dia-a-dia/

20 de maio de 2025

Igreja e Reino de Deus

O Concílio Vaticano II ensina que o Reino de Deus se identifica com a Igreja.
"A Igreja recebe a missão de anunciar e estabelecer em todas as gentes o Reino de Cristo e de Deus, e constitui ela própria na terra o germe e o início desse Reino" (LG, 5).

Portanto, Cristo fundou a Igreja sobre Pedro e os Apóstolos para que ela fosse a "semente" do Reino de Deus, que Ele veio inaugurar entre os homens. Sem a Igreja não pode haver, então, o Reino de Deus.
As próprias imagens são sinais que Jesus usou para revelar a Igreja, e mostram a sua natureza íntima e a sua missão.

Créditos: Imagem Gerada por Inteligência Artificial / CHAT GPT

Na "plenitude dos tempos" (Gal 4,4), Deus enviou o seu Filho ao mundo para realizar o plano da salvação. Esta é a Missão de Jesus, porque o Pai quis "restaurar todas as coisas em Cristo" (Ef 1,10). Para cumprir a vontade do Pai, Jesus inaugurou na terra o Reino dos Céus, através da instituição da Igreja e do anúncio do Evangelho.

"A Igreja, diz o Concílio, reino de Cristo já presente em mistério, cresce visivelmente no mundo pelo poder de Deus…" (LG 3).

Note bem que com esta expressão o Concílio identifica a Igreja com o Reino de Cristo, já presente neste mundo em mistério.
Jesus iniciou a Igreja pregando a Boa Nova, a Boa Notícia, isto é, a "chegada do Reino de Deus" aos homens, prometido nas Escrituras havia séculos. "Os tempos estão cumpridos, e o Reino de Deus está iminente" (Mc 1,15).

Pela presença de Jesus, por suas palavras e por seus milagres, o Reino de Deus começa a surgir entre os homens.
"Mas, se Eu expulso os demônios pelo dedo de Deus, é que chegou até vós o Reino de Deus" (Lc 11,20; Mt 12,28).

O germe e o começo do Reino é aquele "pequeno rebanho" que Jesus chamou para viver com Ele e dos quais se tornou Pastor.
"Não temas, pequeno rebanho, porque foi do agrado de nosso Pai dar-vos o Reino" (Lc 12,32).

É nesse "pequeno rebanho" de discípulos que surge a Igreja destinada a ser a "família de Deus" (Ef 2,20). Era a família de Jesus, que ele cuidou como o bom Pastor. "Eu sou o bom Pastor. Conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem a mim" (Jo 10,14).

Ela é comparada pelo Senhor a um redil, cuja porta única e necessária é Cristo.
"Em verdade eu vos digo: eu sou a porta das ovelhas… Se alguém entrar por mim será salvo" (Jo 10,8-9).
A Igreja é o rebanho de Deus; Ele mesmo é o seu Pastor. Embora seja guiado por pastores humanos, no entanto, são conduzidos e alimentadas pelo próprio Cristo.

Equipe de Formação Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/doutrina/igreja-e-reino-de-deus/

18 de maio de 2025

Horizonte da Igreja

Caminho de Esperança

A Igreja Católica tem sempre um horizonte amplo e luminoso para nortear o seu caminho: o Evangelho de Jesus Cristo, seu mestre e senhor. O Evangelho desdobra-se em ensinamentos e doutrinas que fecundam a conduta dos discípulos e discípulas de Jesus, em lugares e culturas diferentes, com incidência na vida daqueles que se
encontram com Cristo.

Os parâmetros e os princípios do Evangelho se expressam, justamente, nas aptidões e carismas dos discípulos do Mestre, por meio de uma alegria que permanentemente se renova – importante força para curar o mundo de um grande mal: uma tristeza profunda, que se busca remediar, equivocadamente, por meio do consumo e da hegemonia do dinheiro. Consequentemente, a vida se fecha nos limites dos interesses egoístas, com a perda do entusiasmo para se fazer o bem. Os pobres tornam-se, cada vez mais, vítimas de indiferenças e se desconsidera o compromisso de se promover vida digna para todos.

Créditos: Imagem Gerada por Inteligência Artificial / CHAT GPT

Neste contexto, a tarefa missionária da Igreja é especialmente essencial: promover o encontro pessoal com Jesus Cristo, caminho para se efetivar uma vida nova, cultivando a profética audácia de se investir na solidariedade e na fraternidade universal.

Renovar a fé

A alegria do Evangelho é fonte inesgotável de esperança. E o encontro com Jesus é o caminho para essa fonte. Por isso mesmo, é preciso multiplicar, em cada coração, a abertura para se aproximar de Jesus. A Igreja tem a tarefa primordial de promover o encontro de todos com o Mestre, ninguém pode se sentir excluído. A cada pessoa se
deve proporcionar a experiência e o sabor da misericórdia de Deus, sem discriminações ou preconceitos. Neste horizonte, reconheça-se que o cristão tem identidade pascal, isto é, modela-se pela alegria de poder seguir Jesus. Uma alegria diferente, muito diferente daquela gestada pela técnica, de vários modos e com força de sedução, de atratividade.

A alegria irradiada do Evangelho converte-se em força espiritual com capacidade de sustentar as muitas labutas da vida. Genuinamente revela-se na alegria que brota no coração dos pobres. Uma alegria tão intensa que transborda – quem a experimenta busca partilhá-la com o semelhante, assume o compromisso de testemunhar a verdade e passa a priorizar o bem de cada irmão e irmã.


No horizonte amplo e luminoso do Evangelho, compreende-se que a vida vivida na doação se fortalece. Um antídoto ao comodismo, ao isolamento e à maledicência. E quem integra a Igreja deve partilhar o compromisso evangelizador – anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo para proporcionar, a todos, a alegria que vem da fé. Trata-se do primeiro compromisso da Igreja: renovar o frescor do Evangelho de Jesus Cristo por um anúncio com força de atração e de convencimento. Esse anúncio não é tarefa individual, mas vivido na comunidade de fé, sobre os pilares da comunhão e da participação, fontes perenes para o vigor missionário.  Um chamado à nova evangelização para uma
autêntica e frutuosa transmissão da fé.

A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração, isto é, pela força da autenticidade do testemunho de seus evangelizadores, por uma conduta exemplar, capaz de conquistar autoridade moral e espiritual. No mundo contemporâneo permanece o desafio de ser uma "Igreja em saída", o que vai além da eficiência organizacional.

Evangelho e vida

"Igreja em saída" é a Igreja cada vez mais próxima de todos, para acompanhar, ajudar a frutificar e a celebrar a existência de cada um. É especialmente dever da Igreja testemunhar a misericórdia que acolhe, cura e reconcilia, reconhecendo que o próximo é o mais importante.

Ser comunidade missionária significa ir ao encontro do semelhante, encurtando distâncias, abaixando-se, até a humilhação se for necessário, para buscar curar a carne sofredora do povo. Significa cuidar do "trigo" e não perder a paz em razão do "joio". Há, pois, uma constante necessidade de conversão eclesial, o que exige cultivar abertura
para uma permanente reforma, para não se correr o risco de emperrar, viver retrocessos.

A Igreja é permanentemente peregrina, condição que a convoca a rever sempre funcionamentos e estruturas.  Por isso mesmo, a comunidade eclesial aceita o desafio de uma renovação permanente e inadiável, não permitindo caducidades distantes da autenticidade do Evangelho. Não se pode privilegiar caricaturas e disputas pelo poder,
emolduradas por mentiras e fofocas. A renovação da Igreja está encarnada em limitações humanas que podem ser vencidas voltando-se ao núcleo do Evangelho de Jesus, superando a alimentação de moralismos e da rigidez que são obras demoníacas.

Igreja: Misericórdia e Missão

O Evangelho ensina a misericórdia e a paciência, a priorizar o bem de cada pessoa. Assim, a Igreja é mãe de coração aberto, portas abertas a todos, sem triunfalismos ou discriminações. Dignos de privilégios são os pobres, os doentes, os desprezados e os esquecidos, respeitando o indissolúvel vínculo entre a fé cristã e o compromisso com os
que sofrem.  Conhece-se a recomendação que deve continuar a ecoar e a definir a conduta eclesial: é preferível uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento, na comodidade de agarrar-se às seguranças.

Também não se deve ser Igreja emaranhada nas obsessões, nos procedimentos. Mais que o medo de falhar, a comunidade eclesial deve dedicar atenção ao risco de encerrar-se nas estruturas que dão falsa proteção. O desafio é reavivar sempre a dimensão missionária, derrubando muros, construindo pontes.

A Igreja é humilde detentora de um arcabouço moral e relacional que lhe possibilita intermediar conflitos, defender os pobres e ser voz profética promotora da paz. Não se pode fugir do compromisso inadiável de renovação eclesial, criando condições efetivas para evangelizar no mundo contemporâneo. Resta seguir em frente a partir do coração
do Evangelho – o horizonte sempre novo e interpelante da Igreja, compromisso inadiável e insubstituível de todos os cristãos, sinal incontestável de fidelidade às lições do Mestre.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/biblia/horizonte-da-igreja/

16 de maio de 2025

Na sociedade dos perfeitos, tem lugar para o imperfeito?

Na sociedade dos perfeitos, ser imperfeito está fora de moda. Ao ligarmos a televisão ou acessarmos a internet, encontramos protótipos de pessoas perfeitas. Seres humanos imperfeitos maquiados com aparência sagrada. Uma forte tendência dos tempos atuais é a exigência de que o outro seja perfeito. Essa marca de nossa época vem disfarçada com o nome de "falta de paciência": "Não tenho paciência com as pessoas de minha família", "Sou extremamente impaciente com meus colegas de trabalho", "Meus pais não são do jeito que eu quero"… Frases como essas são mais comuns do que ousamos imaginar.

Exige-se a perfeição do outro a qualquer custo. Pessoas que se consideram perfeitas exigem que seus irmãos e irmãs também o sejam. Caso isso não ocorra, as brigas e decepções acontecem em níveis agressivos.

Créditos: Imagem gerada por Inteligência Artificial / CHAT GPT

O julgamento vem embrulhado em presentes perfeitos

No tempo de Jesus não era diferente. Os fariseus, escribas e mestres da Lei, responsáveis pelo cuidado do templo e, consequentemente, pela formação religiosa do povo, consideravam-se perfeitos. Julgavam ter atingido um grau de plenitude tal, que se achavam no direito de catalogar as impurezas do povo de acordo com normas e critérios religiosos que oprimiam o ser humano.

Jesus percebeu a hipocrisia contida nos gestos e nas atitudes desses pretensos perfeitos. Estes exigiam que os fiéis carregassem pesados fardos e cumprissem normas que beneficiavam apenas a eles próprios. Aqueles que exigem perfeição dos outros se esquecem de que também são imperfeitos. Muitas vezes, exigem algo que nem eles próprios conseguem cumprir. Ocupam, inconscientemente, o lugar de Deus. Tornam-se juízes: julgam, condenam e decretam a sentença. O outro, raras vezes, tem a chance de defesa, tendo em vista que, na maioria dos casos, o julgamento vem embrulhado em presentes perfeitos.

Humildade

Quando falamos de imperfeição, entramos em contato com nossas próprias imperfeições. Esbarramos em nossos próprios limites e falhas. Uma atitude farisaica descarta a imperfeição e se reconhece canonizado. Os grandes santos nunca se consideraram santos em vida. O que os tornou santos foi a humildade com que se revestiram. Reconciliados com sua própria humanidade, estes homens e mulheres que hoje são venerados nos altares, transformaram as imperfeições em degraus para a santidade. No pecado que estava impresso em seu DNA humano, eles se revestiram da força de Cristo. Viram no Mestre o caminho para a humildade, o serviço e a doação ao próximo.


Respeitar o processo de caminhada de cada pessoa é fundamental para quem deseja construir, hoje, seu caminho de santidade. Quem não aprendeu a respeitar as imperfeições do outro dificilmente irá conhecer o caminho da humildade que o guiará à paz interior.

Jesus compreendia as imperfeições humanas. Ele sabia que a natureza que nos reveste precisava ser purificada não por rituais de exclusão, mas sim por rituais de inclusão. Cristo incluía no Seu amor os excluídos do amor dos outros.

Somente quem compreendeu que tão imperfeito quanto o outro é ele mesmo, descobriu o caminho para o amor e a santidade manifestada no cotidiano dos sentimentos.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/sociedade/na-sociedade-dos-perfeitos-tem-lugar-para-o-imperfeito/

15 de maio de 2025

Liberdade de pensamento: valores em conflito

Liberdade de pensamento: um direito a ser exercido com sabedoria e responsabilidade

A liberdade de pensamento é uma garantia fundamental, assegurada no inciso quarto do artigo quinto da Constituição Federal de 1988, é aspecto basilar do Estado Democrático de Direito e aspecto intrínseco da vida em sociedade.

Crédito: arquivo do autor/cancaonova.com

Uma conquista histórica

A data de 14 de julho foi instituída em memória do início da Revolução Francesa, iniciada em 14 de julho de 1789, a qual originou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que, por sua vez, foi base da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esta última trata em seu XVIII da liberdade de pensamento: "todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião".

Vivemos tempos em que a liberdade de pensamento é tão natural, e praticada de forma tão irrestrita, que nem nos damos conta de sua existência ou de sua importância. Ela é facilmente confundida com a liberdade de expressão, com a qual tem íntima relação. Entretanto, enquanto a liberdade de expressão diz respeito ao direito de manifestar opinião e se expressar a respeito daquilo que pensa e crê, a liberdade de pensamento é relacionada à liberdade de consciência, de credo, de poder adotar qualquer ideologia ou crença.

Em outro momento da história, em especial antes dos estados regidos por constituições, soberanos detinham o poder de ditar os princípios e valores pelos quais seus súditos deveriam viver. Isso é fácil de ser notado, por exemplo, no episódio narrado em Daniel 6.22, no qual o profeta é lançado na cova dos leões por recusar-se a contrariar seus princípios de fé para obedecer a um decreto.

Enxergando a mundo a partir de valores cristãos

Não há nas Sagradas Escrituras texto que melhor retrata essa liberdade do que o icônico ensinamento de São Paulo em 1ª Coríntios 6,12: "Tudo me é permitido, mas nem tudo convém. Tudo me é permitido, mas eu não me deixarei dominar por coisa alguma". Temos a liberdade de pensar e dizer aquilo que quisermos, contudo, essa liberdade é balizada pelos valores que escolhemos.


Aquilo que é denominado pelos teóricos como cosmovisão ou a lente moral com a qual percebemos a existência e interpretamos os eventos que nela ocorrem, é baseada no conjunto de valores, enraizado em nossa fé e princípios. São Paulo trata a respeito disso na Epístola aos Romanos 12,2: "Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito".

Os valores cristãos em conflito com o secularismo

Os valores íntimos à fé estarão sempre em conflito com o secularismo, pois este segundo não tem cuidado pelo bom ou o justo, mas, antes, quer aliviar a consciência daqueles que vivem distantes de Deus e não querem que seu pecado venha à luz. O Apóstolo Paulo exorta duramente a respeito disso em 2 Coríntios 4,4: "Para os incrédulos, cujas inteligências o deus deste mundo obcecou a tal ponto que não percebem a luz do Evangelho, onde resplandece a glória de Cristo, que é a imagem de Deus".

A responsabilidade no uso da liberdade

São Tiago, em sua epístola, no capítulo três, discorre sobre quão devastadora pode ser a inconsequência no uso dessa liberdade quando escolhemos, de maneira temerária, nossos valores, nossas palavras se tornam fonte de destruição, o autor compara a língua, que é um membro pequeno do corpo, a uma pequena chama, que é capaz de causar um grande incêndio em um bosque.

Portanto devemos ter consciência de que hoje podendo usufruir desta liberdade, salvaguardados por garantias, devemos fazê-lo com responsabilidade, escolhendo viver de acordo com a vontade de Deus e manifestando isso em nossos gestos e palavras.

Jonatas Passos –  natural de Cruzeiro (SP), marido, pai e colaborador da Fundação João Paulo II. Formado em Tecnologia, Informática e História. Pós-Graduado em Jornalismo e História do Brasil, com extensão em História da Religião.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/liberdade-pensamento-valores/