31 de julho de 2025

Vencer a si mesmo, ordenar a vida e os afetos

O jovem Iñigo, antes de se tornar Inácio de Loyola

O jovem Iñigo (1491), antes de se tornar Inácio de Loyola, viveu intensamente uma vida como a maioria dos jovens rapazes do seu tempo. Iñigo, antes da conversão, arriscou a vida toda por suas paixões e pela meta que ele tinha, ser grande, alcançar a glória do mundo. Mas foi na batalha de Pamplona (1521) que a vida dele deu uma guinada.

Santo Inácio de Loyola.

Uma bala de canhão foi suficiente para redimensionar tudo em sua vida. Acamado e impossibilitado de voltar às batalhas e defender o reino ao qual servia, iniciou uma grande batalha de volta à sua própria vida e história. Pouco a pouco, ele foi sendo conduzido ao que hoje chamamos de primeira conversão a partir da leitura espiritual da vida de Cristo e dos Santos. Percebeu o quão vazia e desprovida de sentido estava a sua vida. Entrou em crise e optou por ir atrás de responder as perguntas que bateram à sua porta naquele momento da vida: qual o sentido da minha vida? O que posso fazer por Cristo? Se alguns santos fizeram tanto, por que eu também não posso? E assim, deixou tudo para trás e saiu meio manco em busca de si mesmo e de Deus.

A profunda experiência mistica de Inácio de Loyola

Em Manresa, à beira do Rio Cardoner, ele fez uma profunda experiência mistica, quando percebeu que tudo vinha de Deus e para ele voltava. Viu, aí, o movimento da sua vida, e que esta deveria voltar para Deus como serviço e amor. Serviu aos pobres, mendigou, mas nunca mais abandonou a sua vida interior.

Foi sentado à beira do rio da sua vida que ele se abriu à nova etapa da peregrinação interior, a qual chamamos de segunda conversão. Ele percebeu que era necessário sair do centro, sentir e saborear o modo como Deus trabalha sempre e como cuida de tudo e de todos. Percebeu como todas as coisas brotavam do alto, e também que tudo o que tinha e era, assim como os dons particulares, provinha de Deus.

Passo a passo, Inácio de Loyola vai anotando tudo o que vivia internamente e, assim, nasceram os Exercícios Espirituais e o Diário Espiritual. Dois registros fundam então uma escola nova, conduzindo homens e mulheres na direção daquele que tudo habita.

As duas etapas da conversão de Inácio

As duas etapas da conversão de Inácio fizeram brotar para a Igreja um vasto material escrito e, ao mesmo tempo, prático, uma vez que Inácio aplicava o que escrevia na vida de várias pessoas. O seu ministério, primeiro como leigo e depois como padre, foi a escuta profunda e a pregação de Exercícios espirituais.

Inácio inaugurou alguns novos modos de orar a partir da atenção e da respiração, ao mesmo tempo, do encontro com o Senhor "como um amigo fala a outro amigo", fazendo brotar uma oração que criava relação da criatura com o Criador.

Essa nova relação, em silêncio e escuta profunda, ajudou que fossemos em direção àquilo que nos falava dentro, ajudando-nos a perceber que o que sentíamos tinha nomes: consolação e desolação. Essa identificação, silêncios, orações, atenção plena na vida e na palavra, nos ajudariam a tomar decisões e fazer escolhas, "eleições" para a vida, ou mesmo reformá-las, mas sempre a partir da ordenação dos afetos e da vida interior, para que não nos deixássemos decidir por afetos desordenados. Sendo assim, a espiritualidade inaciana é fruto da experiência vivida por Inácio, aplicada por ele na vida de outras pessoas, e que hoje figura como um tesouro cada dia mais atual.

Inácio de Loyola, o santo do discernimento

Inácio de Loyola, o mestre dos desejos, é o santo do discernimento. Ele aponta para esta mais do que nunca necessária vida interior e, ao mesmo tempo, aponta para uma fé acompanhada, ou seja, potencializou o papel fundamental da orientação espiritual, mostrando que Deus fala e se relaciona, mas que é necessária uma terceira escuta, a de uma pessoa que ajuda a discernir as "moções interiores" em busca da tão desejada vontade de Deus. Imaginemos que estamos falando do século XVI, quando tudo estava se abrindo ao mundo moderno e que, ao mesmo tempo, estava a Igreja vivendo um momento de mística profunda com os tão grandes místicos espanhóis, como Teresa e João da Cruz.

Neste caminho, Inácio de Loyola torna-se referência para quem quer entrar neste caminho de peregrinação interior, afinal, ele mesmo se intitulou de o Peregrino em sua autobiografia. Ele tinha muito claro que habitava um momento da história em que era necessário lucidez, discernimento e generosidade para servir e amar a Cristo e a Igreja de Cristo.


Vencer a si mesmo, ordenar a vida e os afetos

A história de Inácio de Loyola é um hino de gratidão ao modo como Deus trabalha em nossa alma, mesmo que não tenhamos a clareza suficiente, mas ele nos revela na história de tal santo que o seu amor nunca nos abandona, e que sempre é tempo de voltar para casa, habitar a sua casa interior e não ter medo de fazer as perguntas fundamentais para a vida e para vencer as batalhas mais profundas: o que fiz por Cristo? O que faço por Cristo? O que devo fazer por Cristo? Com estas perguntas, nunca estaremos longe de conhecer a Sua vontade.

Vencer a si mesmo, ordenar a vida e os afetos será sempre um convite para quem deseja ir na contramão de uma sociedade sem espírito, sem alma e sem eternidade, que valoriza o estético, o tétrico e a falta de empatia com os irmãos e irmãs, de modo especial os preferidos do Reino, os mais pobres.

O Exemplo de Inácio de Loyola nos ajuda, hoje, a entender que sem a oração pessoal, sem o silêncio e sem o discernimento, não estaremos prontos para escutar o Espírito que fala à Igreja, como nos lembrava tanto o Papa Francisco em seu caminho sinodal, sendo hoje, aprofundado pelo Santo Padre Leão XIV. A santidade hoje passa pela vida interior, pelo serviço e pela generosa abertura ao "Espírito que ora em nós", para que aprendamos dele, "pois não sabemos orar como convém".

Santo Inácio, interceda por nós. Amém.

Pe. José Laércio de Lima SJ


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/vencer-a-si-mesmo-ordenar-a-vida-e-os-afetos/

30 de julho de 2025

Como está o barco da sua vida: estacionado ou navegando?

Você já viu algum barco lindo, porém, parado, estacionado? Sempre quando vejo, fico pensando como eles estariam mais "bonitos" se estivessem sendo utilizados. Se eles estivessem transportando pessoas, com certeza, eles alegrariam o coração de todos que estivessem a bordo através de seus passeios em alto mar, trariam a felicidade da descoberta de um local desconhecido.

A paz vinda pelo avanço nas águas, a suavidade interior ocasionada pelo frescor do vento em seus rostos, aquele friozinho gostoso na barriga pelos balanços provocado pelo movimento da água; enfim, muita coisa poderia acontecer se eles estivessem em exercício, e não estacionados.

Créditos: Imagem Gerada por Inteligência Artificial / Chat GPT.

Como está o seu barco?

Muitas vezes, nós somos esse barco lindo, mas ancorado, que esqueceu que não foi feito para ficar no porto, mas para navegar. Podemos pensar em nossos dons como esse barco lindo, mas parado. Quantos dons carregamos em nós! Mas, em vez de usá-los, nós os deixamos ali guardados dentro de nós.

Às vezes, algumas pessoas até sabem que temos esses dons, e elas só podem ter uma lembrança ou um "ouvir falar", mas nunca vão vê-los em ação, porque não os colocamos em prática. Por inúmeros motivos, não expomos nossos dons, ora porque não achamos que sejam tão bons quanto deveriam ser, ora por vergonha, ora por não querer assumir as responsabilidades que vêm com eles, e então nos fechamos, não os colocamos a serviço do outro, não beneficiamos alguém com aquilo que nos foi dado pelo próprio Deus.


Como você tem usado seus dons?

Todo dom vem de Deus, e mesmo que tenhamos despejado esforços para que eles fossem aprimorados ou se tornassem naturais em nós, foi o bom Senhor que nos concedeu. E nos deu com um propósito.

Que nunca nos esqueçamos: é dom, mas também é tarefa. É um presente que recebemos para presentear a outros.

Você já sabe quais são os seus dons? Eles estão sendo usados ou estão guardados?



Regiane Calixto

Regiane Calixto é natural de Caxambu (MG). É graduada em Ciência da Computação e pós-graduada em Gestão de Veículos de Comunicação. Encontrou na tecnologia e na comunicação um grande meio para levar às pessoas o Evangelho vivo e vivido. Instagram: @regianecn


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/vida-de-oracao/como-esta-o-barco-da-sua-vida-estacionado-ou-navegando/

28 de julho de 2025

Amor concreto

Amar-nos uns aos outros como Ele nos amou

A revelação do mandamento do amor foi progressiva da parte de Jesus. Valorizou o mandamento do amor ao próximo como a si mesmo, fez com que este fosse considerado semelhante ao primeiro de todos, o amor a Deus, mostrou quem é o próximo com a parábola do bom Samaritano, aquele de quem eu me aproximo, até chegar, já na última Ceia, a abrir totalmente seu coração, dando o que chamou de seu mandamento.

Trata-se de amar-nos uns aos outros como ele nos amou. E a totalidade deste amor foi realizada em sua morte e ressurreição, selada no dom da Eucaristia, com a qual a Igreja se alimenta no correr dos séculos, de modo a se tornar, em todos os seus fiéis, capaz de amar como Jesus amou, com o amor que vem do seio da Santíssima Trindade.

Desarmando o coração, o caminho para a paz e a esperança

Crédito: jacoblund / GettyImages

Este leque de manifestações do amor descido da Trindade há de se manifestar no cotidiano da vida dos fiéis cristãos, sendo o seu testemunho o meio mais eficaz para atrair os outros, de forma a que todos possam desejar e experimentar a mesma realidade. É que aprendemos com o Senhor! Aos pecadores, como a Mulher Adúltera, o perdão sem limites. Publicanos e outras espécies de pecadores puderam assentar-se à mesa com o Senhor.

Os doentes e todo tipo de marginalizados puderam aproximar-se dele, ser tocados, curados, reintegrados. Inimigos públicos, segundo a concepção da época, os samaritanos tiveram acesso ao Salvador, naquela mulher do Poço de Jacó. Com os Apóstolos e demais discípulos, uma verdadeira escola ambulante, ensinando as lições do acolhimento e a superação de invejas e ciúmes.

Desejamos, hoje, ater-nos a uma das experiências feitas por Jesus através de uma realidade tão humana quanto importante, a amizade e a hospitalidade (cf. Lc 10,38-42). Tudo indica que a casa de Marta, Maria e Lázaro foi um lugar privilegiado para o Senhor cultivar este sentimento que nos atrai fortemente. Certamente, Jesus visitou, com mais frequência, aquela família peculiar do que os evangelhos relatam.

Marta, a solícita dona de casa, parece ter sido a mais velha. Lázaro deve ter tido os problemas de saúde bem antes de sua morte referida no Evangelho. Não se sabe muito de Maria, mas alguns arriscam compará-la justamente com outra mulher, que também fez gestos de delicadeza com o Senhor. Entretanto, podemos saber que superou normas constantes da prática judaica, fazendo-se discípula, aos pés do Senhor, coisa que era reservada aos homens. De fato, as mulheres aprendiam mais ou menos por tabela, com o que os homens lhes transmitiam. A partir de Maria de Betânia, tudo mudou ou deve mudar! Ela escolheu a melhor parte, o discipulado junto ao Senhor, e esta não lhe pode ser tirada!

Em Betânia há a hospitalidade, representada por Marta, a amizade com Lázaro, a caridade com o amigo enfermo e morto, o discipulado em Maria, além da garantia da presença do grande círculo formado pelos Apóstolos de Jesus. E podemos recolher lições preciosas, que nos fazem ser mais acolhedores, num amor bem realista e concreto, que acolhe, procura, valoriza e envolve os irmãos e irmãs.

A caridade concreta através do amor ao próximo

Um primeiro sinal pode ser a atenção a quem passa perto de nós. Um cumprimento amigo, um bom dia dado de coração, o olhar carinhoso e respeitoso às pessoas de nossas famílias, levantar os olhos daquele quase onipresente celular, quando estivermos num coletivo, o conhecimento das situações de nossos vizinhos, a capacidade de colocar nossos serviços à disposição de quem precisa, a caridade concreta, sem deixar que qualquer pessoa passe em vão ao nosso lado.


Voltando às nossas casas, vale lembrar a Primeira Leitura do Domingo que celebramos (Gn 18,3-10), comentada de forma tão delicada na Carta aos Hebreus: "Perseverai no amor fraterno. Não descuideis da hospitalidade, pois, graças a ela, alguns hospedaram anjos, sem o perceber" (Hb 13,1-2). Abraão recebeu aqueles três peregrinos, oferecendo-lhes o que tinha de melhor, e lhe veio a promessa de uma descendência. E sabemos que esta cena foi entendida por artistas como revelação da Trindade que nos visita!

De fato, hospitalidade é virtude a ser praticada, e nós haveremos de cultivá-la continuamente. É hora de diminuir nossas defesas, nossos alarmes, nossos muros! Sabemos o quanto nossas Paróquias realizam na preparação de suas festividades, com as peregrinações pelas casas, e como portas de casas abertas podem levar a portas de corações que se abrem.

Aliás, esta é uma excelente oportunidade para abrir nossos corações, a fim de encontrar caminhos para visitar pessoas que, por um motivo ou outro, vivem sozinhas, muitas delas tristes e depressivas. E que tal visitar pessoas que vivem em casas de idosos, cuja solidão se torna tantas vezes opressiva?

Novo nível, mais provocante, é a convivência social a ser fecundada com amor ao próximo. Há um desafio a ser enfrentado, a tendência de transformar qualquer dificuldade entre as pessoas em crime. Muitas são as acusações de assédio de qualquer tipo a se multiplicarem, assim como a judicialização das relações entre as pessoas. Vale o antigo princípio de dizia ser melhor um péssimo acordo do que uma ótima demanda. Ocorrem-me dois exemplos igualmente dolorosos. O primeiro é a demanda por heranças de família, cujo resultado, com desagradável frequência, é muitas vezes a inimizade. Outro vem das áreas rurais, em que meio metro de cerca pode suscitar uma briga de proporções incríveis!

Se quisermos, é possível ampliar e encontrar os campos da política, do relacionamento entre as nações, as guerras comerciais de nossos dias, para descobrir o quanto os cristãos têm o dever de se munir de Evangelho, converter-se a ele e ampliar sua presença e capacidade de ser sal, luz e fermento. E não é difícil redescobrir que Marta, serviçal e pronta a ser concreta no amor, só poderá fazer bem a sua parte se seguir Maria, sua irmã, que escolheu a "melhor parte", que não lhe será tirada, o seguimento de Jesus!



Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/amor-concreto/

26 de julho de 2025

Cuidado espiritual

Negligenciar o cuidado espiritual ocasiona consequências nefastas

O permanente cuidado espiritual é uma exigência, pois o ser humano é morada de Deus – a fé cristã ensina: o corpo humano é templo do Espírito Santo. Negligenciar essa realidade leva a consequências nefastas, conduzindo o viver na direção de depressões tão comuns, de escolhas equivocadas que aprisionam o ser humano na mesquinhez que
valida indiferenças e apegos egoístas, fragilizando a fraternidade universal, bem precioso para a paz mundial. De modo ainda mais avassalador, o descuido com a dimensão espiritual acentua processos destrutivos pelo comprometimento moral de uma sociedade, com prejuízos para a cidadania.

O Sangue de Jesus na Santa Missa: presença real e viva

Créditos: PeopleImages by GettyImages.

Impactos na vida cidadã, em razão de defasagens no cuidado espiritual, incidem fortemente no desempenho daqueles que deveriam estar a serviço do povo. Passam a ser marcados pela mediocridade nas ações e pela consequente submissão aos interesses de pequenos grupos privilegiados. Aqueles que podem mais também sofrem das mesmas consequências, em razão do despreparo no âmbito espiritual. São incapazes de se sensibilizar e contribuir com projetos que promovam o bem de todos.

Reconhecem apenas a meta de ajuntar sempre mais para si, desobrigando-se da "hipoteca social" – responsabilidade cidadã de contribuir para o desenvolvimento integral da sociedade, indo além do próprio bem-estar. É triste a adoção do raciocínio daquele que aumentou seus celeiros e disse a si mesmo, conforme passagem do Evangelho: "Regala-te minha alma", seguido da advertência de Jesus, quando evoca a voz de Deus dizendo: "Hoje
mesmo serás recolhido da vida", lembrando que tudo ficará para outros.

A espiritualidade é o caminho para a consciência cidadã

A espiritualidade é o remédio que o ser humano e a sociedade precisam para se orientar a partir de parâmetros ético-morais. Assim, cuidar da espiritualidade é cuidar de uma fonte essencial do viver humano qualificado, possibilitando mais bem-estar para si e, ao mesmo tempo, capacitação pessoal para participar da construção de uma sociedade justa e solidária. Espiritualidade é fonte que não se esgota. Não se resume a uma jaculatória de vez em quando repetida, ou a uma devoção periodicamente praticada, nem ao cumprimento de alguns ritos, alguns deles vividos supersticiosamente. A espiritualidade é um caminho de modelação, com dinâmicas que forram a alma com um tecido novo e, assim, alavanca uma conduta moral alicerçada em valores perenes, em princípios inegociáveis.

Assim é a espiritualidade cristã: tem a força de produzir o sentido que configura a liberdade interior e garante relacionamentos qualificados, no horizonte da verdade e da justiça, iluminando a consciência cidadã com parâmetros que buscam o bem de todos, particularmente dos pobres. E consciências iluminadas dedicam-se a
projetos sociais, culturais, religiosos que auxiliam a sociedade na promoção da justiça e da paz.

A espiritualidade é caminho marcado pelo silêncio, longe das algazarras que caracterizam as superficialidades costumeiras – com seus excessos de comida, de bebida e de conversas sem força para inspirar escolhas adequadas. O cuidado espiritual diz respeito a uma experiência alimentada pela fé, abrindo mentes e corações, curando ilusões, alargando a consciência de si, edificando homens e mulheres com envergadura moral, social, política e religiosa. O cuidado espiritual deve ser prioridade no cotidiano de cada pessoa, pedra angular na constituição de cada ser humano, com incidências na própria identidade. Cura vários tipos de enfermidades que contaminam e adoecem toda a sociedade.


Fonte inesgotável e inigualável do amor

A liberdade, anseio de todo ser humano, somente pode ser encontrada no amor, cuja fonte é Deus. A espiritualidade leva à fonte inesgotável e única do amor, aquele que oferece tudo, e não a mesquinhez de migalhas. A partir do cuidado espiritual, aprende-se uma nova lógica com incidência qualificante em todos os setores da vida. Passa-se a
cuidar mais de si e, ao mesmo tempo, conquista-se a força sapiencial para cuidar dos semelhantes, do meio ambiente. Aqueles que investem na espiritualidade conquistam credibilidade, desenvolvem a habilidade para partilhar palavras que edificam. Distanciam-se dos gestos motivados pela vaidade, por disputas, não se ocupam com a disseminação das insolências que se alastram pela facilidade contemporânea das redes sociais.

O cuidado espiritual é indispensável para que o ser humano conquiste novas virtudes e possa cultivar aquelas que são herança familiar, recebidas também na comunidade de fé e nas relações sociais. A alegria verdadeira e duradoura é um dom que se conquista pelo cuidado espiritual, sobretudo pela possibilidade de evadir-se da prisão do próprio "eu" para entrar, pelo amor, em comunhão com a vida plena que habita e canta na essência de toda criatura. Esta alegria e outros dons vêm pela ação do Espírito Santo, aquele que faz o ser humano clamar a Deus como Pai, alimentando e iluminando a consciência de filiação, alavanca de essencial princípio: "Todos são irmãos e irmãs uns dos outros".

O cultivo espiritual é também uma disciplina, semelhante àquela dedicada ao cuidado com
o corpo. Pede obediência e vivência de dinâmicas e ritos, no âmbito da fé professada, com efeitos e conquistas na interioridade. Enfim, o cultivo espiritual é aprendizagem da humildade que livra o coração do instinto de disputa e ataques, apaziguando a alma para alcançar a paz. A paz de espírito vem de uma vontade maior, não humana, divina, forte, muito além das vicissitudes institucionais e individuais. Cultivo espiritual é o modo como o ser humano pode encontrar o tesouro de sua vida. Vale viver pela busca deste tesouro, fonte de saboroso sentido do viver cotidiano, equilibrando a existência, qualificando singularmente o ser humano, gestando homens e mulheres capazes de bem
conduzir os rumos da sociedade.



Dom Walmor Oliveira de Azevedo

O Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, é doutor em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade Gregoriana. Atual membro da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para as Igrejas Orientais. No Brasil, é bispo referencial para os fiéis católicos de Rito Oriental. http://www.arquidiocesebh.org.br


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/espiritualidade/cuidado-espiritual/

25 de julho de 2025

Jovens com dificuldade de concentração: o que pode estar acontecendo?

Uma queixa tem sido constante nos últimos tempos: a dificuldade de concentração entre os adolescentes. Aqui, reside uma interpretação que precisa ser bem avaliada, pois nem sempre a queixa de dificuldade de concentração tem uma causa única ou pode ser um diagnóstico, por exemplo, de Transtorno de Déficit de Atenção, como muitas vezes é divulgado.

Créditos: Imagem Gerada por Inteligência Artificial / CHAT GPT

Um aspecto importante a ser levado em consideração é: quando falamos em concentração, temos de compreender que ela é a capacidade de manter o foco de atenção nos estímulos do meio ambiente. Quando este ambiente muda, também muda o foco de atenção.

Já a atenção é uma capacidade neurológica, uma função cognitiva complexa que nos permite, por exemplo, estarmos concentrados numa leitura, falar com alguém num ambiente cheio de ruídos e não perder o foco, assistir a um filme e conseguir compreender sua mensagem, realizar um trabalho de forma direcionada.

Muitas vezes, há uma queixa de memória do tipo "puxa, eu não consigo 'guardar' nada na cabeça", "esqueço de tudo facilmente". A memória está intimamente ligada à capacidade de atenção. Ou seja, se a atenção está falha, logo, teremos dificuldade em memorizar algo.

Memória é o mecanismo que nos permite reter algo e, num tempo breve ou longo, resgatar esse conteúdo, o que chamamos de evocação.

Termos técnicos à parte, é importante compreender que a capacidade para manter a concentração é limitada e depende de fatores como interesse por um assunto, disponibilidade para o tema, depressão, ansiedade, questões emocionais familiares, dificuldade para dormir ou um ciclo de sono alterado, carência vitamínica, anemias e outras patologias.

Quando temos problemas de natureza simples, a nossa capacidade de solução de problemas mais complexos acaba por ser alterada.

Para manter a atenção, vários fatores são importantes, como ânimo, interesse e até dificuldades específicas.

Todo mundo tem algum tipo de dificuldade de atenção, porém, o que faz isso se tornar um problema é o quanto ele afeta nossas atividades

Ao notar essa dificuldade, é muito importante observar o comportamento do jovem e seus hábitos, pois, por exemplo, noites em claro, excesso de estímulos, uso de drogas, enfim, tudo isso pode contribuir para tais dificuldades. É importante que situações emocionais, além de doenças tais como anemia, ansiedade, depressão, disfunções na tireoide, sejam investigadas.

Questões familiares, brigas, desentendimentos entre amigos, namoros rompidos, um bullying na escola e aspectos relacionados à vida familiar e social do jovem também podem contribuir, e a abertura da família ao diálogo e a compreender a vida do jovem também se faz importante.

Outro ponto importante é observar como anda a organização das tarefas e rotinas deste jovem, porque a sobrecarga e a desorganização podem colaborar com a falta de concentração. Ajustar horários, melhorar a alimentação, usar melhor o tempo; tudo isso pode colaborar com a melhora da concentração.


Quanto aos estudos, é importante tirar de perto aquilo que pode desviar a atenção. Jogar, ver TV, usar o celular, ouvir músicas e estudar ao mesmo tempo mostra que uma dessas atividades não será realizada com sucesso.

É importante, no entanto, fazer uma observação dos aspectos sugeridos antes de imaginar uma doença como o TDAH, por exemplo. Não devemos ignorar os sinais quando existem prejuízos na vida de um jovem, mas podemos o ajudar a partir da compreensão desses sinais e sintomas buscando dar suporte ao seu filho.



Elaine Ribeiro dos Santos

Elaine Ribeiro dos Santos é Psicóloga Clínica pela Universidade de São Paulo (USP). Colaboradora da Comunidade Canção Nova, reúne 20 anos de experiência profissional, atuando nas cidades de São Paulo, Lorena e Cachoeira Paulista, além do atendimento on-line para o Brasil e o Exterior. Dentre suas especializações estão Terapia Cognitivo-Comportamental, Neuropsicologia e Psicologia Organizacional. Instagram:  @elaineribeiro_psicologa 


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/jovens-com-dificuldade-de-concentracao-o-que-pode-estar-acontecendo/

23 de julho de 2025

A Providência Divina não dispensa a previdência humana

Deus proverá! Sim, Ele providencia, todos os dias, muito mais do que possamos imaginar. A luz do sol, nossa respiração, nossas famílias, empregos, renda, o alimento em nossa mesa. Por outro lado, Deus quer contar também com nosso esforço, Ele quer nos ver lutar. O bom Pai não é aquele que dá tudo ao Seu filho, mas coloca diante deste possibilidades e oportunidades, dá-lhe força, coragem, fé, motivação e incentivo. Deus nos quer lutando pelo nosso pão de cada dia; e quando não pudermos lutar, Ele mesmo se encarregará de todas as coisas.

Quando o dinheiro não der para uma necessidade, não duvidemos, pois Deus é quem mais se apressa em estender-nos a mão. Muitas vezes, pelas mãos de pessoas generosas.

A providência divina não dispensa a previdência humana

Foto ilustrativa: Zephyr18 by Getty Images

Mesmo acreditando na Providência Divina, precisamos trabalhar e pensar no nosso futuro

Acredite na Providência Divina e mãos à obra. O seu futuro, quem sabe num futuro breve, passa pelas suas mãos ao economizar com sabedoria cada possibilidade. O tempo passa rápido, e muitos brasileiros já estão na segunda metade da vida, hoje em torno de 45 anos. O agricultor não pode querer colher frutos que não plantou, comer alimentos que não cultivou. É preciso agir hoje, agora, montar uma planilha financeira de longo prazo e colocar as necessidades que ainda não vieram:

  • Reforma da casa ou construção da casa;
  • Aposentadoria com provável diminuição da renda;
  • Plano de saúde ou gastos crescentes com a saúde;
  • Necessidades de filhos e netos;
  • Reserva para lazer e viagens.

Em suma, envelhecer é um dom, uma bênção, uma dádiva divina. Os que chegam aos 70, 80, 90 anos são privilegiados. Cabe, agora, planejar quanto tempo há pela frente (hipoteticamente, pois nossa vida está nas mãos do Criador), e enfrentar a situação, procurar ajuda e organizar sua vida financeira. Nunca é tarde para fazer o bem. Pense também que, muitas vezes, o que poupamos pode ser a fonte de ajuda para pessoas com maiores necessidades, afinal, "há mais alegria em dar do que em receber". Os pobres são a riqueza da Igreja Católica. Se pudermos optar, hoje, por não comprar ou consumir, pensando no próximo, estamos nos enriquecendo para o Céu.

Como posso economizar para viver bem minha velhice?

Muito se fala, e talvez quase o ano inteiro, sobre aposentadoria. Não que, necessariamente, envelhecer signifique aposentar-se, mas se espera da maioria de nós chegar até lá e possuir algum conforto ou recurso. Como se pode economizar para viver a "boa idade", tecnicamente, após os 60 anos? Muitos não querem parar de trabalhar, mas, como disse o filósofo, ao menos viver uma vida mais serena.

"O homem sereno busca serenidade para si e para os outros" (Epicuro).


A grande questão da poupança de um salário suado, a cada mês, é poder, no futuro, contar com esse valor acumulado para alguma serenidade ou, talvez, a realização de sonhos. A economia de longo prazo é um exercício e tanto! É preciso disciplina, abrir mão do prazer momentâneo para contar com um futuro mais confortável.

A cultura do consumismo é, exatamente, contrária à cultura da poupança, do sacrifício. Um exercício financeiro de não levar o que está diante dos olhos na vitrine ou no site de e-commerce. Como resistir à tentação de viver um presente gastando mais do que se tem em vista de um futuro incerto?

 



Bruno Nascimento Vieira Cunha

Bruno Nascimento Vieira da Cunha é Brasileiro, nasceu no dia 28/11/1980, em Recife, PE. É Membro da Associação Internacional Privada de Fieis – Comunidade Canção Nova, desde 2007 no modo de compromisso do Núcleo. Economista, Professor e Missionário da Comunidade Canção Nova, Bruno Cunha possui 20 anos de experiência na área de Finanças, Macroeconomia, Mercado Financeiro.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/economia/providencia-divina-nao-dispensa-a-previdencia-humana/

22 de julho de 2025

É preciso aprender a ter paz e serenidade

Diante de tantos tormentos que diariamente enfrentamos em nossa vida, muitas vezes, ter a paz e a serenidade parece algo muito distante. Cada vez mais, entre as pessoas de todas as classes sociais, a falta de paz e serenidade torna-se uma queixa em todas as idades, todos os sexos, todos os níveis de instrução. Algumas pessoas, por vezes, apresentam aquilo que é chamado, no meio médico psiquiátrico e psicoterápico de: síndrome do pânico.

Créditos: Imagem Gerada por Inteligência Artificial / CHAT GPT

Esse quadro é caracterizado por uma série de alterações emocionais e físicas, incluindo, por exemplo, taquicardia, falta de ar, sintomas que se mostram incontroláveis. É um tipo de medo, muito intenso e um tanto generalizado e, acima de tudo, é um excelente exemplo do quanto se faz necessária uma reformulação de nossos hábitos, de nossas relações.

Vivemos um tempo corrido, uma vida impessoal, em que já não temos tempo para conversas, convivências. Falta a hora do jantar, do café; faltam os pequenos rituais familiares, em que todos se encontravam e se olhavam. Falta tempo para a intimidade. Às vezes, até existe tempo para essas coisas, mas a competitividade que somos "obrigados" a apresentar, torna nossas relações frias, superficiais. Ficamos receosos quanto a confiar nas pessoas, nos expor, nos apegarmos, amarmos, dependermos.

A vida é composta por desafios diários, por isso precisamos de serenidade

Essa falta de suporte afetivo, sutilmente, acaba por nos incutir um sentimento de desamparo que, muitas vezes, fornece a base para quadros como a síndrome de pânico; a depressão e a ansiedade. Você sabe do que estamos falando? Já sentiu esse desamparo mesmo cercado de pessoas que, de alguma forma, devem nos amar, mas em relação às quais não nos sentimos à vontade para dividirmos o fardo do dia a dia? Você conhece alguém assim? Por vezes, o fardo pesa, os problemas sufocam e nos vemos impossibilitados de dividir, com quem quer que seja, o que vivemos. Alguns não acreditam que o que vivem pode ser importante para alguém; outros até sabem que aquilo que fazem é importante sim, mas só é importante, só é valorizado pelo outro, se a pessoa for bem sucedida naquilo que faz, naquilo que vive.

No caso de fracasso, de dificuldades, a pessoa é levada a "se virar" sozinha. A situação parece tão sem saída, que muitos buscam uma solução externa, um remédio, um conselho mágico. No entanto, a solução pode estar mais perto do que se imagina: pode estar "dentro" de você; na mudança dos seus hábitos, nas suas iniciativas, principalmente nas relações com aqueles que lhe são mais próximos.


O que minha história influência neste processo?

Muitas pessoas que vivem essa situação a qual descrevemos, trazem em sua história uma relação familiar na qual não foram valorizados; várias vezes foram desqualificados, criticados, abandonados, até mesmo violentados. A família, o primeiro suporte afetivo, não esteve presente. Outras pessoas encontram uma estrutura familiar superprotetora, ou seja, cuidam, apoiam, mas não deixam a pessoa aprender a cuidar da vida, não deixam a pessoa experimentar frustrações e aprender a superá-las; assim, não desenvolvem confiança. Tornam-se pessoas inseguras.

Pode ser útil pensar na família da qual saímos, pois fornece o modelo das relações que aprendemos a construir; nos informa sobre a maneira como aprendemos a olhar para os outros: percebemos os outros como inimigos, como avaliadores? Ou (como deveria ser) os percebemos como aliados, cúmplices, na aventura que é a vida? Se não sabemos quem são as pessoas importantes para nós e se não sabemos desfrutar do apoio deles, qualquer coisa passa a ser ameaça.

E, se nos percebemos diante dos outros como rivais, se nos percebemos constantemente sob avaliação, a forma de sairmos dessa condição para a condição de amigos, companheiros, cúmplices é por meio do diálogo. Um diálogo onde possamos assumir nossas fraquezas, pedir ajuda, sermos humildes. Ninguém nasceu pronto, perfeito. E, de que adianta ser amado se não nos deixamos ser amados? De que adianta ser amado se não podemos desfrutar do colo, da amizade, da compreensão daqueles a quem amamos?

É importante aprendermos a receber amor, a pedir ajuda, a solicitar apoio, reconhecer falhas. As relações familiares são o melhor lugar para colocar isso em prática. Fazer é aprender a amar… Amar em via dupla: dar e receber amor; e ensinar o outro a fazê-lo. Assim, é hora de retomar os pequenos hábitos, talvez até os que foram citados no início deste texto e que nos tornam parte de algo maior.

Cláudia May Philippi – Psicóloga Clínica


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