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Este artigo busca apresentar como as Sagradas Escrituras e o Magistério da Igreja, de modo particular a encíclica Evangelium Vitae (1995), de São João Paulo II, sustentam de forma firme e clara a defesa incondicional da vida humana.
A vida conhecida e amada por Deus
A Bíblia possui muitas passagens sobre a sacralidade da vida. Uma das mais conhecidas está no chamado do profeta Jeremias, onde o Senhor declara:
"Antes que no seio fosses formado, eu já te conhecia, e antes de teu nascimento eu te consagrei e te constituí profeta das nações." (Jr 1,5).
Esse versículo é uma das mais belas afirmações sobre a dignidade da vida humana. Ele revela que a vida é conhecida e querida por Deus desde antes do nascimento. Não apenas a vida biológica é reconhecida, mas a própria identidade e vocação da pessoa já são conhecidas pelo Criador. Cada ser humano é querido pessoalmente por Deus e, por isso, nenhuma vida pode ser considerada descartável ou acidental.
Criados à imagem de Deus
A raiz mais profunda da dignidade humana está no fato de que o homem e a mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus:
"Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou." (Gn 1,27).
Ser imagem de Deus confere ao ser humano um valor intrínseco, que não depende de capacidades físicas, intelectuais ou sociais. A vida humana é sagrada porque pertence a Deus, que a doa livremente e chama cada pessoa à comunhão eterna consigo. Nenhum poder humano pode dispor da vida inocente sem cometer grave injustiça. O quinto mandamento — "Não matarás" (Ex 20,13) — expressa esse respeito absoluto pela vida humana.
Assim, a Revelação mostra que a vida humana não é uma simples realidade biológica, mas uma realidade pessoal e sagrada desde o primeiro instante de sua existência.
O Catecismo e a tradição da Igreja
O Catecismo da Igreja Católica ensina de forma clara: "A vida humana deve ser respeitada e protegida de modo absoluto desde o momento da concepção. Desde o primeiro momento da sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida". (CIC 2270).
A vida humana não é propriedade do indivíduo, da sociedade nem do Estado. Pertence a Deus, e por isso é inviolável. Esse é o fundamento último da ética cristã da vida.
Já nos primórdios da Igreja, encontramos testemunhos claros dessa verdade. Um exemplo é a Didaqué dos Apóstolos (século I), um dos mais antigos escritos cristãos fora do Novo Testamento, que afirma:"Não matarás a criança por aborto, nem depois de nascida a farás perecer". (Didaqué, II,2).
Ou seja, desde os primeiros cristãos o aborto foi reconhecido como um grave pecado, em continuidade com a lei natural e a revelação divina.
A Evangelium Vitae: o Evangelho da Vida
Um dos documentos mais importantes sobre a dignidade e a inviolabilidade da vida humana é a encíclica Evangelium Vitae (O Evangelho da Vida), publicada por São João Paulo II em 25 de março de 1995.
Nela, o Papa reafirma com autoridade que a vida é um dom sagrado e inviolável desde a concepção até a morte natural, denunciando a "cultura da morte" que se manifesta no aborto, na eutanásia e em outras ameaças à vida.
Logo na introdução, o Papa recorda a grande vocação do ser humano: "O homem é chamado a uma plenitude de vida que se estende muito para além das dimensões da sua existência terrena, porque consiste na participação da própria vida de Deus". (EV, 2).
A encíclica prossegue afirmando que a vida temporal é condição basilar para um processo de existência humana que alcançará a sua plena realização na eternidade.
"Todo o homem sinceramente aberto à verdade e ao bem pode, pela luz da razão e com o secreto influxo da graça, chegar a reconhecer, na lei natural inscrita no coração (cf. Rm 2, 14-15), o valor sagrado da vida humana desde o seu início até ao seu termo, e afirmar o direito que todo o ser humano tem de ver plenamente respeitado este seu bem primário. Sobre o reconhecimento de tal direito é que se funda a convivência humana e a própria comunidade política.
De modo particular, devem defender e promover este direito os crentes em Cristo, conscientes daquela verdade maravilhosa, recordada pelo Concílio Vaticano II: « Pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada homem »
Quão grande é a dignidade da vida humana que o próprio Deus, por amor a nós, assumiu para si uma natureza humana para que pudéssemos participar de sua vida divina!
É por isso que o papa pode declarar com clareza: "Com autoridade que Cristo conferiu a Pedro e aos seus sucessores… declaro que o aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, constitui sempre uma desordem moral grave, pois é a eliminação deliberada de um ser humano inocente". (EV 62).⁷
Estas palavras deixam claro que o Magistério da Igreja Católica Apostólica Romana considera o aborto um pecado gravíssimo e intrinsecamente mau, que nunca pode ser justificado.
O povo da vida e para a vida
Mas São João Paulo II também nos recorda que para combater a "cultura da morte" a Igreja também é chamada a ser "o povo da vida e para a vida" (EV, 79). Isso significa anunciar com alegria o Evangelho da vida. Missão que se realiza de diversas formas, principalmente pela pregação e catequese, formando consciências para reconhecer o valor da vida e da família. Pelo serviço da caridade e pelo compromisso social e político, atuando para que as leis respeitem e protejam a vida humana em todas as suas fases.
Escolhe, pois, a vida!
A defesa da vida não é apenas um dever moral, mas também uma expressão de esperança e caridade. Cada vida, por mais frágil ou limitada que pareça, é amada por Deus e chamada à plenitude da comunhão com Ele.
É iluminado por essas verdades que podemos compreender profundamente a exortação de Moisés: "Escolhe, pois, a vida, para que vivas, tu e a tua descendência". (Dt 30,19).
Diante da escolha entre a cultura da vida e a cultura da morte, o cristão é chamado a escolher a vida. Só assim, promovendo a cultura da vida poderemos garantir que não só nós, mas também as futuras gerações, possam ter Vida e Vida em abundância.
Por Fernando Costa Donato