19 de janeiro de 2025

O milagre da transformação do mundo

Milagre de Caná, simbolo de esperança e tranformação

"Jesus manifestou a sua glória e seus discípulos creram nele" (Jo 2,12). Foi em Caná da Galileia que o fato ocorreu, por ocasião de uma festa de casamento, celebrada durante vários dias, de acordo com os costumes da época. Tendo faltado o vinho, verdadeiro desastre numa comemoração do gênero, o vexame se impunha e alguém encontra uma saída. Justamente o gênio feminino de Maria, a Mãe de Jesus, desde então pressurosa no serviço atento a todos, sabendo quem era seu Filho, faz a hora acontecer!

O milagre da transformação do mundo

Crédito: Sitthiphong / GettyImages

Antecipa os tempos e provoca o milagre do vinho da melhor qualidade. E todos puderam testemunhar que o verdadeiro noivo era Jesus e as bodas eram as sonhadas núpcias de Deus com seu povo, celebradas num alto monte, com um grande banquete oferecido ao povo escolhido. Vinho novo e carnes gordas! A beleza plástica com que o quarto Evangelho descreve os fatos é incrível!

Surpreende o fato de que o primeiro dos sinais, como São João chama os milagres, tenha ocorrido numa festa de casamento. Uma visão estreita do modo de Jesus agir teria esperado uma cura de um enfermo ou outros prodígios que de fato o Senhor realizou. Aliás, gestos seus foram em outra ocasião questionados por uma mentalidade tacanha que pensava no quanto poderia render o dinheiro gasto com bons perfumes usados como gesto de delicadeza com o próprio Jesus (cf. Jo 12,1-8). Em Caná, o milagre é o da alegria, símbolo dos tempos messiânicos.

Felicidade plena, a fonte divina e a participação humana

Deus não nos quer apenas sem enfermidades ou assistidos em nossas necessidades básicas, mas nos quer felizes daquela alegria cuja fonte só se encontra nele. Jesus é Deus e pode tudo, mas não dispensa a participação humana. Entram em cena a sensibilidade de Maria, os servos, o mordomo que prova o vinho novo, o noivo elogiado e os espectadores de todos os tempos, nos quais estamos incluídos, com nossas lutas, alegrias, angústias e esperanças. Com elas, poderemos depois voltar às propostas de Caná.

Antes, algumas constatações. As diversas épocas da história trouxeram impasses para as pessoas e os grupos, muitas vezes suscitando clamor por soluções milagrosas. Também o mundo em que vivemos cria para si mesmo encruzilhadas desafiadoras, e são complicados os seus componentes. Brincando com coisas sérias, dá-se um realce desproporcional aos direitos individuais, sem dúvida importantes. Todos querem apenas exigir a sua parte no bolo dos bens, sem pensar que vai faltar para alguém.

A avalanche do consumo e o endeusamento das leis de mercado, a desenfreada busca do prazer e daí por diante, geram um desconforto entre as várias classes sociais, espalham a violência e criam perplexidade transformada em perguntas sobre o futuro e a falta de Esperança. Nosso próprio e imenso país, cultivando uma imagem de imunidade diante das crises mundiais, começa até a desconfiar que não é suficiente nem mesmo o potencial energético de que se considera detentor. A festa do consumo, a impunidade ou a farra de uma imensa balada irresponsável se revelam frágeis. Até o justo desejo de autonomia e desenvolvimento pode ficar comprometido. De repente, alguém percebe que o vinho acabou!

A instabilidade e incerteza, os desafios das relações modernas

Mesmo no miúdo do dia a dia das famílias, dá para perceber que a instabilidade das uniões e a fugacidade dos relacionamentos têm trazido uma sensação de que algo não vai bem. É quase impossível, para quem tem um mínimo de bom senso, não ver que o futuro de tantas crianças, cuja imagem de família está absolutamente esfacelada, será desastroso.

A falta da sadia polarização entre homem e mulher, pai e mãe, já faz sentir seus efeitos. Aberto o leque, muitas são as situações nas quais nossa humanidade clama por milagres! Como desatar o nó do futuro? A nós cristãos cabe o desafio de participar de todas as lutas e buscas de saídas honrosas, dignas dos filhos e filhas de Deus, e ser "Peregrinos de Esperança", neste ano de Jubileu.

Com sabedoria, a seu tempo, Bento XVI alertava que, "para sair da crise financeira e econômica atual, que provoca um aumento das desigualdades, são necessárias pessoas, grupos, instituições que promovam a vida, favorecendo a criatividade humana para fazer da própria crise uma ocasião de discernimento e de um novo modelo econômico. O modelo que prevalece nas décadas recentes aposta na busca da maximização do lucro e do consumo, numa ótica individualista e egoísta que pretendia avaliar as pessoas apenas pela sua capacidade de dar resposta às exigências da competitividade. Olhando de outra perspectiva, porém, o sucesso verdadeiro e duradouro pode ser obtido com a dádiva de si mesmo, dos seus dotes intelectuais, da própria capacidade de iniciativa, já que o desenvolvimento econômico suportável, isto é, autenticamente humano, tem necessidade do princípio da gratuidade como expressão de fraternidade e da lógica do dom" (cf. Bento XVI, Mensagem para o dia Mundial da Paz 2013, n. 5).

Evangelização: Mais que Milagres, a Transformação da Sociedade Pela Palavra

E aqui estão algumas propostas "ingênuas", à disposição em Caná e na Igreja. A receita do milagre vem da Virgem Maria. A última de suas palavras registrada nos evangelhos parece um testamento de quem ama muito seus pósteros: "Fazei tudo o que ele disser!" (Jo 2,5). Sua recomendação precisa ressoar de novo em todos os recantos. Muito mais do que milagres estrondosos, acreditamos num caminho a ser percorrido, cujo nome é Evangelização.


Acreditar na Palavra de Jesus Cristo e colocá-la em prática transforma as consciências, corações e obras. Quem faz esta escolha cumpre todas as leis existentes, convive na sociedade, mas tudo supera por implantar, onde que passe, a lei do amor a Deus e ao próximo. Só que isso não faz barulho. É como árvore que cresce e se consolida para produzir bons frutos.

Milagres do cotidiano, gestos simples que transformam

Milagre consistente se faz com gestos simples. Encher talhas de água, ou sair pelas ruas e tratar chagas e consolar as pessoas, acolher o drogado que alguém considera restolho na sociedade, buscar soluções para idosos ou abandonados, sentar-se para ouvir, corrigir com ternura, não complicar a vida, atender com boa vontade numa repartição, coisas de servos, dos servos de Caná revividos em nós. Vale experimentar!

A recuperação do valor do Sacramento do Matrimônio, malgrado as estatísticas, faz parte do receituário oferecido por aquele que é médico do corpo e do espírito e que continua a fazer milagres para injetar esperança em nossa geração. Na educação dos filhos, incluam os pais o valor dos mandamentos, a dignidade da família unitária e estável, fiel e fecunda. Uma das manifestações de Jubileu\, em nossa Arquidiocese, quer ser a valorização do Sacramento do Matrimônio, e uma verdadeira Pastoral Vocacional para o Matrimônio.

Quem olhar ao redor, poderá encontrar bons exemplares dessa "raça de gente", capaz de ajudar o mundo a ser melhor, da melhor espécie de ser! O milagre pode estar ao alcance de nossas mãos, dependendo só de nosso sim. E o hoje será melhor do que ontem!

Dom Alberto Taveira Corrêa

Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/o-milagre-da-transformacao-do-mundo/

18 de janeiro de 2025

Direitos humanos?

Dom Pedro Cipollini
Bispo de Santo André (SP)

 


 

Defendidos por uns, mal visto por outros, na verdade há incompreensão sobre o que são os "Direitos Humanos". Em 1948 a ONU (Organização das Nações Unidas) emitiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Foi uma conquista da Sociedade, logo após o fim da devastadora segunda guerra mundial, onde todos os direitos foram violados, como ocorre em qualquer guerra.  

Esta Declaração comprometeu as nações signatárias, como o Brasil, a fazerem com que não permaneçam puramente teoria, fornecendo as estruturas sociais que garantam sua execução, e além disso, que  não sejam coibidos por regimes de opressão. É tarefa dos governos e políticos, implementarem os Direitos Humanos, o bem comum. 

A Constituição brasileira no seu artigo 153§2, assegura os Direitos Humanos a todos os cidadãos nacionais, e aos estrangeiros residentes no país: "Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei". Lei que atinge todos igualmente e regula o convívio social, impedindo que a vontade de um só indivíduo ou grupo, prejudique o bem de todos. 

Mas no que se baseiam os Direitos Humanos? É simples e óbvio: Todo ser humano, pelo fato de ser "gente", pela sua inalienável dignidade de ser pessoa humana, tem direito natural a tudo aquilo que é necessário à sua própria realização como pessoa. Inclui-se aí, o direito á vida, á liberdade, ao trabalho, ás condições dignas de existência, etc. 

Estes Direitos não são emitidos pelo Estado, ou algum organismo da sociedade, são direitos que nascem com a pessoa humana. Devido a  sua condição de ser humano, criado á imagem e semelhança de Deus, para conviver como irmãos numa fraternidade universal. Desta maneira, eles se fundam, em última análise, num direito divino. A vida humana é sagrada! Por isso é que se diz: se não há Deus, tudo é permitido, predomina a lei do mais forte, a lei da selva. O Estado deve garantir os Direitos Humanos, que obviamente inclui os deveres, correspondentes a todos os cidadãos. 

A Igreja Católica, a partir da sua Fé em Jesus Cristo que é o redentor da Humanidade, que fez de todos os seres humanos filhos de Deus, defende os Direitos Humanos que para ela, estão fundados no binômio "justiça e liberdade". Sem justiça e liberdade, usada com responsabilidade, não pode haver a paz que todos almejam. A Diocese de Santo André conta com a Comissão Diocesana de Direitos Humanos, empenhada em promover o direito.  

Os que são contra os Direitos Humanos, substituem a democracia pela segurança nacional. Que segurança pode ter um país onde a pobreza, e a fome, estão presentes no dia a dia de milhões de cidadãos? A consequência é a violência sem fim que vivemos.  Os que são contra os Direitos Humanos, trocaram a justiça social pela noção de crescimento ilimitado, prometido pelo mercado. A riqueza  cresce, mas é partilhada entre os que já tem. Os que não tem, ficam com as migalhas, permitidas pela corrupção e a incompetência. 

É triste constatar que as violações dos Direitos Humanos no Grande ABC aumentaram em 34,2% em um ano (cf. Diário 07/01/25, Setecidades). Mas é animador constatar, a força positiva, de pessoas que,  vencem a escuridão e batalham pelos Direitos Humanos, como a  fundadora da ONG Mães da Sé, empenhada em encontrar pessoas desaparecidas (cf. Diário 6/01/25 p. 4). 

A partir da fé cristã a vitória final será dos Direitos Humanos, por isso Deus aconselha nas Sagradas Escrituras: "Peleja até a morte pela justiça" (Ecleiástico 4,33). 


Fonte: https://www.cnbb.org.br/direitos-humanos/

16 de janeiro de 2025

A democracia é uma planta que precisa de cuidados

Dom Itacir Brassiani
Bispo de Santa Cruz do Sul (RS)

 

Vivi a adolescência e a primeira fase da juventude em Anchieta, uma pequena cidade do interior de Santa Catarina. Com minha geração, cantei emocionado as canções que falavam de um país que só ia para frente. Naqueles "verdes anos", ignorava que gente da minha idade sofria perseguição política, era presa e torturada. Não sabia eu que vivíamos tempos nos quais a democracia havia sido pisoteada por uma ditadura militar. 

Somente no início da década de 1980, com o ingresso no mundo universitário, muito lentamente fui tomando consciência dos valores da democracia e da força corrosiva e destruidora dos regimes autoritários. Mas foi preciso avançar vários anos no calendário da vida para que eu chegasse a compreender que a democracia não está inscrita na nossa certidão de nascimento; ela é uma conquista sempre precária, e pode ser destruída. 

Embora seja tentador, não podemos deduzir das Sagradas Escrituras um sistema ou regime político, nem uma forma específica de governo (monarquia, aristocracia, democracia ou ditadura). Mas a Bíblia e a Tradição cristã viva deixam suficientemente claro que, aos olhos de Deus, o povo é sujeito de direitos, e deve ser respeitado. As escrituras atestam que o clamor dos pobres e oprimidos move a ação do próprio Deus. 

A Igreja católica ensina que "o sujeito da autoridade política é o povo, considerado na sua totalidade como detentor da soberania". O povo transfere o exercício dessa autoridade soberana àqueles que elege livremente como seus representantes, mas mantém o direito e o dever do controle sobre eles. Por isso, graças aos seus mecanismos de controle, a democracia é o sistema que melhor garante a soberania de um povo. 

A Igreja aprecia a democracia, pois ela "assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a possibilidade de escolher e controlar os próprios governantes" (João Paulo II). Ao mesmo tempo, sublinha que a democracia não pode ser refém de "grupos restritos que usurpam o poder do Estado a favor dos seus interesses particulares".  A democracia deve servir ao bem comum. 

Mas a democracia pode ser limitada gravemente por vários fatores, inclusive pelas imposições do "mercado". Por isso, o Estado precisa subordinar a economia à política e as empresas ao bem comum. "A globalização das finanças, da economia, do comércio e do trabalho, jamais devem violar a dignidade e a centralidade da pessoa humana, nem a liberdade e a democracia", diz a Igreja (Compêndio de Doutrina Social, nº 322). 

Hoje estamos às voltas com um perigoso enfraquecimento da democracia. Sinais disso são as investidas do mercado financeiro sobre a soberania dos países, a manipulação da informação, a crescente polarização política e social, e a sedução que as soluções autoritárias e sectárias sobre a população. A democracia não sobrevive quando a lógica dos interesses parciais de alguns especuladores se antepõe à busca do bem comum.  

Cuidemos desse bem precioso conquistado a duras penas. Milton Nascimento canta, em outro contexto: "Já podaram seus momentos, desviaram seu destino, seu sorriso de menino, quantas vezes se escondeu… Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia. E há que se cuidar do broto pra que a vida nos dê flor e fruto". Ainda estamos aqui! 


Fonte: https://www.cnbb.org.br/a-democracia-e-uma-planta-que-precisa-de-cuidados/

15 de janeiro de 2025

O que é a unção dos enfermos e quando deve ser concedida?

A unção dos enfermos, um sinal de fé e cura

"Alguém dentre vós está sofrendo? Recorra à oração. Alguém está alegre? Entoe hinos. Alguém dentre vós está doente? Mande chamar os presbíteros da Igreja para que orem sobre ele, ungindo-o com óleo no nome do Senhor. A oração feita da fé salvará" (Tg 5,13-15). O sacramento da unção dos enfermos é uma graça que o Senhor nos concede por meio da Igreja. Para nós, católicos, a oração de cura e a unção têm muito valor. Como lemos na Carta de São Tiago, quando alguém está doente deve recorrer à oração, ao Céu e, claro, aos médicos e tratamentos, como nos recomenda a Igreja, pois também esses são dons do Senhor para a cura.

O que é a unção dos enfermos e quando deve ser concedida?

Foto Ilustrativa: Wesley Almeida/cancaonova.com

O sacramento da reconciliação é o primeiro sacramento de cura; depois dele, há a unção dos enfermos que, antigamente, era chamada de "extrema unção". O nome mudou. Ainda bem! Ficou mais suave. O nome antigo ainda espanta, porque parece um sacramento que "sela" a pessoa para a morte.

O sacramento da unção dos enfermos é uma graça que o Senhor nos concede por meio da Igreja

Na verdade, esse é um sacramento de vida, pois, como todos os outros sacramentos, tem a finalidade de sarar, de animar e perdoar os pecados. Sim, a unção dos enfermos perdoa os pecados; foi mencionado na Escritura e confirmado pela Igreja. Segundo as normas de cada diocese, essa graça pode ser propagada nas celebrações individuais ou coletivas.

A unção pode ser ministrada para todos os doentes em perigo de morte e, também, para aqueles que farão uma cirurgia delicada. O óleo deve ser de oliveira ou extraído de plantas onde há dificuldades para encontrar essa matéria. Normalmente, o sacerdote leva consigo um recipiente com o óleo, para que, caso haja necessidade, faça uso dele. A unção é feita na fronte, nas mãos ou, se não for possível nesses locais, é feita numa outra parte.


Doenças do corpo e da alma

A fórmula desse sacramento diz: "Por essa santa unção e pela Sua infinita misericórdia, o Senhor venha em seu auxílio com a graça do Espírito Santo, para que, liberto dos seus pecados, Ele o salve e, na Sua bondade, alivie os seus sofrimentos". Que maravilha de sacramento, porque alivia os sofrimentos! E que grande sofrimento é o pecado! Que grande sofrimento passam tantos irmãos nossos no corpo e na alma! Recorramos ao Senhor para que Ele sare e salve os nossos irmãos que estão doentes no corpo e na alma.

Neste tempo de sacerdócio, já vi Deus curar e restaurar a saúde de muitos e, também, já O vi fortalecer pessoas na hora da morte, dando-lhes uma morte tranquila e em paz, porque foram perdoadas e ungidas.

Conhece alguém doente no corpo e na alma? Indique-lhe um sacerdote, verifique se na comunidade há celebração para os enfermos, e avise a esse doente ou a um parente próximo a ele. Não deixe essa graça passar!

Equipe de formação da Canção Nova


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/igreja/doutrina/o-que-e-uncao-dos-enfermos-e-quando-deve-ser-concedida/

14 de janeiro de 2025

O futuro da cultura em mundo com Inteligência Artificial

O protagonismo humano em xeque: o impacto da IA na cultura

A sociedade contemporânea vive, em polvorosa, a ascensão das inteligências artificiais e seu impacto na vida e no comportamento humano. Sobretudo, no campo da produção intelectual, muitos se questionam se este é o fim do protagonismo humano na cultura, se passaremos a ser simples consumidores de textos, áudios e vídeos produzidos automaticamente por robôs.

A cultura como espelho da humanidade

A cultura é reflexo do estado da sociedade humana, seus hábitos, costumes, religiões entre vários outros aspectos, assim como a estrutura familiar, política e a realidade econômica. Dessa maneira, não há como a cultura refletir outra coisa, senão o próprio estado do ser humano no tempo. Logo, a cultura é a expressão de valores e sentidos, próprios à realidade no tempo em que a sociedade está inserida. Assim, podemos definir que a cultura é a pegada do homem no tempo.

Crédito: MTStock Studio / GettyImages

A cultura de massas: a cultura enlatada

A cultura de massas é um fenômeno marcante que teve seu início no século XX, e este é definido por Edgar Morin como o processo pelo qual a alta cultura é resumida e simplificada, figurativamente enlatada para ser consumida pelo público em geral. Diferente da alta cultura, a cultura de massas é pensada de forma a depender muito menos de que o público alvo tenha uma base cultural e intelectual. Ela é pensada de maneira a fomentar valores, pensamentos e comportamento, em especial de forma a atender interesses mercadológicos.

A história da humanidade em constante reinvenção

Em suas diversas eras, a humanidade deparou-se com realidades em que se viu obrigada a ressignificar a maneira como entende seu próprio papel. Esse processo se deu, sobretudo, no contexto na qual a tecnologia, mais especificamente o conforto provido pela tecnologia, lhe permitia transcender atividades que antes demandavam muito mais tempo e esforço.

O desafio da IA para a criatividade humana

A tecnologia da informação não só forçou o ser humano a repensar seus hábitos, mas o desafia a voltar a pensar em seu papel. Há pensamentos fatalistas que profetizam, de maneira quase apocalíptica, que as inteligências artificiais formarão seres humanos incapazes de pensar, logo, incapazes de produzir a cultura em suas diversas expressões.

Nesse contexto, textos, imagens, músicas e vídeos são gerados em escala massiva por um vasto leque de ferramentas baseadas em inteligência artificial. A produção de conteúdo abraçou o uso dessas ferramentas e projeta-se que o uso delas não irá retroceder. Logo, tudo o que consumimos, em breve, será produzido por inteligência artificial?

A adaptação à tecnologia

O encantamento da novidade, os comportamentos por vezes inconsequentes na utilização dessa tecnologia etc. podem parecer confirmar as suspeitas de um pensamento fatalista. Mas, assim como outras tecnologias, essa se saturará e se tornará tão banal na rotina humana, que o homem voltará a encontrar seu lugar e seu papel, a sociedade e o comportamento se adaptarão e logo esta será mais uma na miríade de tecnologias que fazem parte do cotidiano ordinário.

A IA como ferramenta, não como substituto

Ao pensarmos na IA como algo que poderia suplantar o homem com agente ativo na cultura, estaríamos supondo ser ela algo muito maior do que uma ferramenta criada pelo próprio homem. Poderia o homem criar algo que não fosse reflexo dele próprio? Poderia o homem criar algo maior do que ele mesmo? Não, a IA não é senão uma nova ramificação da cultura, talvez muito mais enlatada, automatizada e colocada em linha de produção. Mas mesmo a mais sofisticada linha de produção autônoma precisa de alguém que a programe e lhe dê os parâmetros pelos quais trabalhar.

A cultura como expressão humana: presente e futuro

Portanto, a cultura é e continuará a ser uma multiplicidade de expressões do ser humano. Este, direta e indiretamente, deixará rastros de sua presença no tempo. Tal como Deus o criou, a imagem e semelhança d'Ele, dotado por Ele de inteligência, habilidade e inventividade, protagonista na criação. Ainda que grandes coisas possam ser criadas pelo homem, suas criações e sua cultura são e sempre serão apenas reflexo daquilo que o homem é, com suas capacidades e limitações.


 

Jonatas Passos é natural de Cruzeiro (SP), marido, pai e colaborador da Fundação João Paulo II. Formado em Tecnologia, Informática e História. Pós-Graduado em Jornalismo e História do Brasil, com extensão em História da Religião.


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/tecnologia/o-futuro-da-cultura-em-mundo-com-inteligencia-artificial/

13 de janeiro de 2025

O mosaico do coração, reunindo os fragmentos da vida

"Coração mosaico", uma reconciliação de um mundo fragmentado

A vida contemporânea, alicerçada e emoldurada por impressionantes avanços tecnológicos e conquistas científicas, sofre com um acentuado processo de fragmentação que afeta o reconhecimento sobre o sentido da vida. Um peso e desafio existencial, originado também na força deletéria do individualismo. A superação desse entrave se faz pelo coração, ensina o Papa Francisco, na sua mais recente Carta Encíclica, sobre o amor humano e divino do coração de Jesus.

O mosaico do coração, reunindo os fragmentos da vida

Crédito: troyka / GettyImages

É muito oportuno viver o Ano Jubilar 2025 acolhendo o ensinamento do Papa e, assim, se tornar peregrino de
esperança. Sabe-se que as fragmentações trazem consequências graves para a vida de cada pessoa, das famílias e da sociedade. O coração é essencial para superar os males provocados por esse fenômeno, que é inevitável, considerando as múltiplas e velozes dinâmicas da atualidade. Apesar desta importância, a sociedade tem sido dominada pelo narcisismo que é anticoração, bem adverte o Papa Francisco.

Coração humano, sede de amor e reconciliação

Quando o coração é desconsiderado, não se enxerga o semelhante no horizonte, tornando as pessoas limitadas pelo egoísmo, incapazes de relações saudáveis e atitudes de reconciliação. E sem reconciliações o mundo padece, convive com guerras, torna-se caótico, semelhante ao caos inicial quando Deus fez surgir a Criação como expressão de seu amor. Avançar rumo a cenários caóticos resulta, pois, da incapacidade de acolher a Deus, deixando-se guiar pela soberba e pela indiferença.

Consequentemente, perde-se a capacidade de hospedar o semelhante no próprio coração. Um coração desvirtuado perde também a faculdade de harmonizar a própria história, unindo os muitos fragmentos que tecem a vida de cada pessoa. Essa perda prejudica, pois, a autovalorização e, ao mesmo tempo, a abertura ao semelhante. O ser humano torna-se, assim, inábil para dialogar, exercício essencial à busca de sentido nesta realidade tão fragmentada do mundo contemporâneo.

Curando as feridas da terra com um coração renovado

Tenha-se presente que na era da inteligência artificial não se pode esquecer a poesia e o amor como instrumentos de salvação do ser humano. O algoritmo não é capaz de promover as experiências essenciais que conferem sentido à vida. Esse sentido vem do coração e das vivências que somente são possíveis a partir deste núcleo que define e
sustenta o ser humano no seu viver e na sua missão. É a sede do amor, que precisa ser bem cuidada, tendo em conta que a identidade de cada um se alicerça na competência para amar.


É um desastre perder o coração, conformando-se com a indiferença diante das guerras ou do abandono dos pobres e vulneráveis. A indiferença que contamina corações é responsável por cenários desoladores da civilização atual. O Papa Francisco sublinha: "Quando alguém reflete, procura ou medita sobre o próprio ser e a sua identidade, ou analisa questões mais elevadas; quando pensa no sentido da própria vida e até mesmo procura por Deus, e ainda quando sente o gosto de ter vislumbrado algo da verdade; todas estas reflexões exigem que se encontre o seu ponto culminante no amor. Amando, a pessoa sente que sabe porque e para que vive. Assim, tudo converge para um estado de conexão e de harmonia."

A essência da fraternidade e do amor ao próximo

O caminho da harmonia pode dar ao mundo contemporâneo um novo rumo. Buscar alcançá-la, cuidando para que o próprio coração seja marcado pelo amor, é experiência de espiritualidade sem a qual torna-se mais difícil avançar na direção da fraternidade e da amizade social.

A dinâmica da espiritualidade permite a emersão de novas práticas de reconciliação e priorização de tudo o que ajuda e sustém o semelhante, particularmente os pobres e vulneráveis. Comprova-se que, sem deixar de lado o horizonte luminoso e indispensável da racionalidade, deve-se percorrer o caminho insubstituível da fraternidade, fonte alimentadora e alicerce do viver reconciliado.

Ora, o coração ama, adora, pede perdão, serve, onde for preciso, com coragem e disposição, dando sempre prioridade ao bem, jamais a caprichos, disputas de poder ou ressentimentos mesquinhos e egoístas. Amizade e reconciliação só se constroem com o coração, exercendo o amor. Determinante nesta experiência é saber quem foi o primeiro a amar – o coração de Deus. E o coração de Deus revela-se n'Aquele que morreu e ressuscitou para salvar a
humanidade, Jesus Cristo. É o coração de Deus falando ao coração humano pela linguagem e gestos de amor.

Um novo começo, rumo a um mundo mais humano e solidário

Daí nasce a indicação preciosa de investir na centralidade de Cristo como Senhor e Mestre da própria vida. Trata-se do caminho que leva à purificação e à aquisição de sabedoria, tesouros indispensáveis para quem quer ser feliz de verdade. Aprender com Jesus abre um horizonte novo de compreensão sobre o viver humano. Importa convencer-se que somente um coração qualificado é capaz de colocar as outras faculdades e paixões em uma atitude justa diante do amor de Deus.

A cura desta terra ferida se operará mediante o tesouro inesgotável que é o coração de Deus, revelado e colocado como fonte pelo coração de Cristo. Grande é o risco provocado pela vaidade humana, que alimenta soberbas, fecha o
caminho para um coração renovado, com propriedades para "ajuntar os cacos" e compor "belo mosaico", repleto de nobres sentidos para a humanidade.

Para que a civilização contemporânea supere seus muitos desafios não são suficientes apenas as estratégias e lógicas alicerçadas na técnica. Gestos de amor são fundamentais. Gestos de amor pequenos e grandes que, em conjunto, mudam o mundo. A sociedade contemporânea não dispensa os avanços tecnológicos, mas demanda, principalmente,
um cuidado maior com o coração de cada pessoa, que precisa estar entrelaçado com o coração do semelhante, compondo uma rede capaz de resgatar o mundo das depredações ambientais, sociais e políticas. Assim, as fragmentações tornam-se belo mosaico, por um novo tempo, mais humano, fraterno e solidário.

Dom Walmor Oliveira de Azevedo
Arcebispo metropolitano de Belo Horizonte


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/atualidade/comportamento/o-mosaico-coracao-reunindo-os-fragmentos-da-vida/

12 de janeiro de 2025

O desafio do testemunho cristão no mundo atual

Vivendo o evangelho de Cristo em nosso tempo

Jesus foi visitado pelos pobres pastores dos arredores de Belém, e nós contemplamos este mistério com serenidade e alegria. Surpreendeu a todos, a seu tempo, a misteriosa visita daqueles Magos, Sábios chegados do Oriente, que estudavam a posição das estrelas, trazendo presentes muito significativos àquele que é Deus, Rei e plenamente homem, tanto que passaria pelo sofrimento e pela morte.

O desafio do testemunho cristão no mundo atual

Crédito: deimagine / GettyImages

Passam os anos e Jesus é proclamado publicamente pelo Pai Eterno como o Filho amado, sobre o qual repousa o Espírito Santo. E no início de seu ministério, a água transformada em vinho, nas Bodas de Caná, conduz à fé discípulos titubeantes, noivos e humanidade. Depois de tais manifestações, resta a todos nós a coragem da decisão diante dele, em quem se cumprem promessas antigas e novas, assim como os sonhos de realização e felicidade de toda a humanidade.

Um corpo, uma fé: A unidade do povo de Deus

Temos a clareza de que Deus nos constituiu como um corpo o Povo de Deus, que age e testemunha a própria fé. De fato, se "Deus aceita quem o teme e pratica a justiça, qualquer que seja a nação a que pertença" (cf. At 10,35), aprouve a Deus salvar e santificar os homens, não individualmente, excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em povo que o conhecesse na verdade e o servisse santamente.


Escolheu, por isso, a nação israelita para seu povo. Com ele estabeleceu uma aliança; a ele instruiu gradualmente, manifestando-se a si mesmo e ao desígnio da própria vontade na sua história, e santificando-o para si. Todas estas coisas aconteceram como preparação e figura da nova e perfeita Aliança que em Cristo havia de ser estabelecida e da revelação mais completa que seria transmitida pelo próprio Verbo de Deus feito carne.

Um povo reconcilidado, a nova aliança com Cristo

Esta nova aliança instituiu-a Cristo, o novo testamento no seu sangue (cf. 1 Cor 11,25), chamando o seu povo de entre os judeus e os gentios, para formar um todo, não segundo a carne mas no Espírito, e tornar-se o Povo de Deus. Com efeito, os que creem em Cristo, regenerados não pela força de germe corruptível mas incorruptível por meio da Palavra de Deus vivo (cf. 1 Pd 1,23), não pela virtude da carne, mas pela água e pelo Espírito Santo (cf. Jo 3, 5-6), são finalmente constituídos em raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo conquistado, que outrora não era povo, mas agora é povo de Deus (1 Pd 2, 9-10) (Cf. Lumen gentium 9).

E agora, passados os séculos, está em nossas mãos a responsabilidade de, como povo escolhido, dar testemunho de Jesus, sendo sal, luz e fermento nos tempos que correm, sem discriminar as outras pessoas, mas atraí-las com amor ao amor de Cristo. Em nosso coração e em nossas mãos estão os instrumentos oferecidos pela Igreja: a Palavra de Deus, a Vida em Comunidade, a Fé, a Esperança e a Caridade, e os Sacramentos, que nos mergulharam na vida da Santíssima Trindade.

O evangelho vivo, o futuro transformado pelo amor

Ser cristão hoje equivale a ser testemunhas em todos os ambientes de nossa fé em Jesus Cristo Ressuscitado, Salvador do mundo. Como testemunhas, haveremos de mostrar em nossa vida de batizados, redimidos, que Jesus venceu o pecado em nossa própria vida, porque nos fez filhos de Deus e adotamos seus sentimentos e as atitudes evangélicas expressas nas bem-aventuranças: pobreza de espírito, mansidão, fome e sede de justiça, misericórdia, pureza de coração, solidariedade, reconciliação e fraternidade.

Se queremos demonstrar de verdade que nós encontramos o Messias, aquele que dá sentido à história humana e dá esperança a toda a humanidade e à vida de cada um de nós, devemos proclamar, com a palavra e as obras, que Jesus, na plenitude do Espírito Santo, é luz para todas as áreas escuras da história humana e de cada pessoa, e que ele, com sua Ressurreição, torna possível a esperança num futuro melhor, a confiança nas pessoas e a transformação do mundo, através da única revolução eficaz, a conversão pessoal ao amor e à justiça, que vêm de Deus (cf. La Parola per ogni giorno, Basilio Caballero, Pauline, 1991).

Há alguns anos houve pessoas que pensavam estar diante de um cristianismo anônimo, perdido no meio da massa, e sabemos como cresceu esta massa! Não se trata disso! Hoje, devemos nos perguntar como responder com identidade própria e clareza aos desafios que se apresentam, sem fanatismos, opções ideológicas de qualquer lado, cujo desenrolar se revela estéril, ou tentativas anacrônicas, igualmente estéreis, de volta a um clima de cristandade!

Os desafios da fé em um mundo indiferente

Abertura ao Espírito Santo, intensa vida de oração, processos claros de discernimento, criatividade, espírito apostólico e missionário, esta é a estrada para viver como cristãos em nosso tempo. Respostas? Eis algumas propostas, destinadas a provocar continuidade na reflexão e o inadiável compromisso pessoal. A primeira delas é olhar ao nosso redor, identificando pessoas e situações, estabelecendo conexões com quem tem as mesmas inquietações e o desejo de superar uma prática religiosa de fachada ou um tentador indiferentismo.

Quem está rezando seriamente? Que pessoas estão comprometidas diretamente com a caridade? Já descobriu em seu ambiente de trabalho gente que não suja as mãos com o egoísmo, a corrupção e a imoralidade? Será que não chama a sua atenção aquelas pessoas que sempre se dispõem a algum serviço na Comunidade? Justamente aqui surge uma outra ideia! Tomar iniciativa!

Guiados pelo Espírito Santo, reconstruímos o Corpo de Cristo

Se muitos não frequentam a Missa, sua presença mostrará o quanto constrói o Corpo de Cristo, que é a Igreja, sua
participação Eucarística, a busca do Sacramento da Reconciliação! E se muitos não praticam a justiça, comece por você mesmo! E se queremos ampliar nosso horizonte, a pessoas que tomam decisões semelhantes, caberá também a disposição para o diálogo com quem pensa diferente, na diversidade de nosso mundo.

Tal atitude contribuirá para que o senso do bem comum, suscitado pelo Espírito Santo além de todas as fronteiras, seja redescoberto e promova gestos e programas de ação no conjunto da sociedade. À nossa capacidade de reflexão, à inteligência da fé concedida nos Sacramentos da Iniciação Cristã e, mais ainda, à ação do Espírito Santo que nos conduz, lançamos o desafio de continuar esta lista de propostas para sermos, diante do mundo que clama por sentido, os peregrinos da Esperança, a fim de que o Jubileu que vivemos seja tempo de graça, perdão, reconciliação e acolhida para muitos!

Dom Alberto Taveira Corrêa

Arcebispo Metropolitano de Belém do Pará


Fonte: https://formacao.cancaonova.com/sem-categoria/o-desafio-do-testemunho-cristao-no-mundo-atual/